Ricardo Salgado tem Alzheimer, mas não é por isso que não se defende. É neste sentido que a doença, diagnosticada no ano passado ao antigo presidente executivo do Banco Espírito Santo, é referida no documento em que os seus advogados pediram a abertura da instrução no processo Universo Espírito Santo, fase em que tentarão evitar um novo julgamento. As primeiras sessões deste caso, que será conduzido pelo juiz de instrução Ivo Rosa, começam esta segunda-feira, dias antes de, a 7 de março, o ex-banqueiro conhecer a sentença final num outro processo, o julgamento relativo ao que sobrou da Operação Marquês.
No requerimento de abertura da instrução no caso Universo Espírito Santo, em que Salgado é acusado de 65 crimes como associação criminosa, corrupção e burla, a doença é o argumento para mostrar que dará uso de todos os mecanismos de defesa.
“Como já foi publicitado e comentado na opinião pública de modo, por vezes, indigno, o ora arguido tem hoje um diagnóstico que aponta para fortes indícios de uma patologia degenerativa do Sistema Nervoso Central compatível com um quadro clínico de doença de Alzheimer”, indica o documento assinado pela defesa, liderada por Francisco Proença de Carvalho. “Nas condições de saúde em que se encontra, confrontado com uma acusação ‘monstruosa’ e um processo ‘monstruoso’, a opção provavelmente mais fácil seria a de prescindir desta fase processual facultativa. No entanto, ainda que em condições pessoais e de contexto extremamente difíceis, o arguido entende que tem o dever de se defender em todas as fases processuais previstas na lei”, são pontos escritos pela defesa.
Requerimento prévio
O requerimento foi entregue em setembro, antes do relatório médico definitivo que atesta a doença que foi concluído em outubro e que foi utilizado pela defesa do homem que durante 22 anos liderou o BES para pedir, ao coletivo de juízes da Operação Marquês, que não houvesse julgamento devido à doença.
Nesse caso, que julga crimes de abuso de confiança (os únicos que ficaram da instrução de Ivo Rosa na Operação Marquês), a defesa do antigo banqueiro não foi bem-sucedida, já que o tribunal não aceitou a pretensão. Os mandatários também pediram uma perícia, que não recebeu luz verde. O julgamento seguiu, mas a doença não caiu no esquecimento — e Salgado esteve perante o coletivo de juízes presidido por Francisco Correia precisamente para admitir a doença de que padece. “Meritíssimo, eu não estou em condições de prestar declarações. Foi-me atribuída uma doença de Alzheimer”, declarou.
Aliás, a argumentação central antes da leitura da sentença, agendada para 7 de março, é que, havendo condenação, não pode ser a pena de prisão efetiva devido à doença.
Contactado pelo Expresso, Francisco Proença de Carvalho não quis fazer comentários sobre se avançará na instrução do Universo Espírito Santo com pedidos idênticos aos feitos no julgamento dos crimes de abuso de confiança do Marquês.
Passos Coelho foi chamado
A instrução da acusação do Ministério Público (MP) do Universo Espírito Santo vai ter as primeiras sessões esta semana, logo no dia 21, ao ouvir lesados pela queda do BES que foram admitidos como assistentes e que levaram à constituição de cinco novos arguidos — os gestores de conta ou dos balcões de que eram clientes. Ao todo, são 30 os arguidos, com Ricardo Salgado à cabeça, mas numa lista onde constam o seu antigo braço-direito, Amílcar Morais Pires, e o seu primo José Manuel Espírito Santo, cujos advogados vão tentar desmontar a acusação e evitar o julgamento.
Para isso, já avançaram com argumentos nos respetivos requerimentos de abertura de instrução, onde também elencaram testemunhas e provas periciais ou documentais a obter pelo tribunal. Foi aqui que a defesa do ex-banqueiro apontou 82 testemunhas, entre as quais Pedro Passos Coelho, o primeiro-ministro à data da derrocada do Grupo Espírito Santo e do BES. Eduardo Catroga e Murteira Nabo são outras testemunhas apontadas, a par de inúmeros clientes do banco.
Ivo Rosa disse logo à partida que dificilmente aceitaria tantos nomes, e que precisava de justificações para cada um (limitando-os ao número de factos da acusação), mas, por agora, ainda não chegou a uma posição final.
A defesa de Ricardo Salgado defende que as operações que abriram um buraco no BES tiveram como objetivo “reembolsar os clientes do BES”, mas não foi possível devido à postura do Banco de Portugal. Os advogados até usam a expressão escrita pela comissão de inquérito ao Novo Banco — de que a resolução do BES foi uma “fraude política” quando as autoridades diziam, em 2014, que não custaria dinheiro. Também contestam a centralização de culpa (que ainda esta semana foi defendida pelo Tribunal de Santarém na decisão sobre uma contraordenação da CMVM).
De qualquer forma, há questões processuais também apontadas: a “nulidade” da acusação do MP, por falhar na “concretização dos factos imputados”. Há “imputações genéricas” do MP e os mandatários de Salgado defendem, também, que os crimes imputados em coautoria só são concretos em relação aos outros arguidos e não quanto a si.
Há outros argumentos apontados pelos arguidos a nível processual e um deles é a prescrição (por exemplo, por Morais Pires relativamente à corrupção). Na Operação Marquês, a prescrição deitou por terra alguns dos crimes apontados pelo MP, nomeadamente a corrupção imputada a José Sócrates nas ligações ao Grupo Lena.