O presidente da comissão de acompanhamento do Novo Banco, José Bracinha Vieira, acredita que a limpeza dos créditos e de outros ativos problemáticos já está razoavelmente feita e que, na verdade, há perdas que foram reconhecidas no passado que podem vir a ser revertidas. Contudo, embora concordando com a generalidade das imparidades já constituídas para cobrir perdas futuras, houve casos “excecionais” em que houve discordância.
“Terá havido ultrapassagem da fase crítica da limpeza de balanço. Estou convencido de que o universo CCA [mecanismo de capital contingente] tem neste momento [o ativo] devidamente provisionado”, declarou Bracinha Vieira, antigo diretor do Banco de Portugal, na audição desta terça-feira, 1 de junho, na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco.
“A limpeza do balanço foi tão forte que admito que possa haver alguma reversão parcial das imparidades constituídas. Estou convencido que haverá alguma reversão parcial, muito parcial, dessas imparidades”, comentou o presidente da comissão de acompanhamento, órgão consultivo constituído por três membros que foi criado para compensar o facto de o Fundo de Resolução, após a venda de 75% do Novo Banco à Lone Star, não poder ter administradores.
As imparidades constituídas para reconhecer antecipadamente perdas em ativos como créditos são as principais responsáveis pelos pedidos de capitalização feitos pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução, segundo Bracinha Vieira. Isso é visível pelo facto de terem totalizado 1,2 mil milhões de euros em 2020 e as estimativas apontarem para valores entre 200 e 300 milhões de euros nos três anos seguintes. “Faz uma diferença enorme”.
“Estou convencido que os prejuízos CCA, se existirem, são mínimos a partir de agora. Estou convencido que o banco vai ter lucros já em 2021, vai gerar organicamente capital, o drama da insuficiência de capital vai ser minorado”, resumiu – ainda assim, não esquecer que há 331 milhões de euros sob litígio entre o banco e o Fundo.
Casos “excecionais”
Mas se para o futuro há boas perspetivas (ainda agora o Novo Banco apresentou lucros trimestrais de 70,7 milhões de euros), para o passado, a comissão de acompanhamento admitiu algumas dúvidas. A constituição de imparidades pelo Novo Banco preocupou este órgão consultivo, ainda que só em casos específicos houve alerta vermelho.
“Não temos competência para dar parecer sobre imparidades, não são objeto de autorização do Fundo de Resolução, obedecem a regras muito estritas, mas estamos no comité alargado de imparidade, e assistimos, por vezes com alguma preocupação para não dizer um termo mais forte, e fazemos perguntas. Até hoje, vi sempre as imparidades baseadas em factos objetivos, em circunstâncias que têm que ver com a execução do plano de negócio ou perda de valor de colaterais. Há um ou outro caso, que é a exceção, em que temos tido algumas dúvidas porque é evidente que se é verdade que há regras, há um pequeno coeficiente, que tem uma [parte] subjetiva. É absolutamente excecional”, ressalvou Bracinha Vieira nas respostas aos deputados.
Um dos exemplos é o antigo BES Angola, hoje Banco Económico, em que a gestão de António Ramalho considerou que se devia reconhecer já como perdida 90% da dívida que falta reembolsar. “Eu preferia um pouco menor, há probabilidade razoável que a próxima prestação seja paga ainda”, disse, defendendo que “têm feito um esforço enorme para pagar”.
No entanto, o presidente da comissão de acompanhamento levanta algumas questões sobre o papel da comissão nessas reuniões: “Não temos qualquer poder de nos opor. Estamos presentes, só que as pessoas permitem que possamos intervir”.
Desenho do mecanismo penaliza Fundo
Na sua audição, Bracinha Vieira ressalvou que o mecanismo que leva a que o Fundo de Resolução esteja a ser obrigado a colocar dinheiro no Novo Banco (são mais 429 milhões este ano, a juntar aos 3 mil milhões já colocados) acontece sobretudo pelo que já vem do passado.
O facto de, na hora de pedir capital, serem contabilizadas as perdas acumuladas no passado do conjunto de ativos problemáticos protegidos tem prejudicado o Fundo de Resolução. Quando a comissão de acompanhamento iniciou o seu trabalho, em dezembro de 2017, já havia imparidades de 1,8 mil milhões de euros e, assim, o valor acumulado de prejuízos destes ativos ultrapassou sempre a insuficiência de capital - o montante em falta até que o banco cumprisse os rácios de capital (estava definido no contrato de venda à Lone Star que tinha de haver um rácio mínimo cumprido, caso as perdas dos ativos problemáticos o prejudicasse).
“Por isso se tem dito que o que tem determinado o valor das call [chamadas de capital] ao Fundo de Resolução tem sido o nível dos prejuízos globais do banco”, disse Bracinha Vieira.
Vendas de carteiras sem referências para avaliar
Aos deputados, José Bracinha Vieira lembrou que uma das áreas com que tem de lidar na sua passagem pela comissão de acompanhamento é a venda de grandes carteiras de crédito e de imóveis. É difícil ter pormenores sobre os compradores e, além disso, é difícil saber as condições de operações comparáveis. “Temos muita confiança nos serviços do banco, mas não temos meios próprios”, disse.
“Não era má ideia que uma instituição – pode ser o Banco de Portugal ou a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários – passasse a ter notícia e dados do valor de mercado sobre transações de mercado, para haver um benchmark [referência]”, sugeriu Bracinha Vieira, lembrando que, neste momento, não existe informação acumulada sobre as dezenas de transações de portefólios de ativos.
Ainda assim, nas operações concretizadas pela instituição da Lone Star, o presidente da comissão de acompanhamento ressalvou que as entidades vencedoras “são muito conhecidas”. Foram concursos, competitivos, disse.
Problemas no órgão
José Bracinha Vieira admitiu que é um erro a comissão de acompanhamento – composta por três elementos, apenas, e que funcionou durante mais de um ano com apenas dois membros – não ter uma assessoria técnica, dependendo de ajuda dos serviços do banco, para se pronunciar sobre as operações.
Além disso, “há uma lacuna” que é a comissão não conseguir efetivamente acompanhar o que acontece às operações que ali passam e sobre as quais foram concedidos pareceres.
Isto somado ao facto de a comissão não ter poderes vinculativos, e de ter apenas uma postura consultiva.