Economia

Centeno defende venda do Novo Banco mas lembra que avisou para risco “24 vezes” num só dia

Governador do Banco de Portugal garante que Fundo de Resolução só pôs dinheiro no Novo Banco para cobrir perdas com ativos problemáticos

TIAGO MIRANDA

O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, considerou esta terça-feira, 18 de maio, que a venda do Novo Banco, feita em 2017 quando era ainda ministro, e as mudanças que promoveu no sector bancário deram “futuro à banca nacional”. Mas sublinha que, aquando da venda, alertou os deputados para os "riscos": e alertou 24 vezes.

Aos deputados da comissão de inquérito ao Novo Banco, o líder do supervisor deixou, esta terça-feira, o elenco de vários passos que deu no Ministério das Finanças entre o fim de 2015 e outubro de 2017: “foi feita a resolução do Banif; a CGD foi capitalizada, pelo seu único acionista, o Estado Português; o Fundo de Resolução tornou solvente-se; e dois dos maiores bancos privados portugueses [BCP e BPI] encontraram capital para estabilizar a respetiva estrutura acionista”. “Foi também assim que se promoveu a venda do Novo Banco em 2017 e o crédito malparado e em risco de incumprimento começou a descer em 2016, atingindo hoje um valor inferior a 5%, quase 4 vezes inferior aos valores de então”, continuou Mário Centeno.

“Apenas estas ações concertadas e coordenadas entre as autoridades europeias e nacionais permitiu dar um futuro à banca nacional. Só assim foi possível melhorar a classificação da dívida soberana portuguesa. Só assim foi possível que Portugal saísse do Procedimento por Défices Excessivos em que se encontrava há quase 10 anos”, argumentou, dizendo que antes disso o sistema financeiro português apresentava fragilidades e “falta de credibilidade”.

Para a instabilidade que encontrara, Centeno atirou para outros responsáveis. No caso do BES, e tal como fizera o vice-governador, Luís Máximo dos Santos, defendeu que a "resolução resultou apenas e só das ações e omissões dos sucessivos conselhos de administração do BES. Também aqui não houve azar. Se a sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade, o azar acontece quando a incompetência encontra o dolo e a prática de atos de gestão ruinosa. E deve, por isso, ter responsáveis, como aliás já está judicialmente comprovado", defendeu.

Crítica a governo anterior

Apesar da afirmação, Centeno deixou uma crítica a governos anteriores ao seu: “Portugal chegou tarde ao processo de reforma e de saneamento do sistema bancário. Na economia financeira não há azar. Há que tomar decisões atempadas, determinação na ação, dar resposta cabal e completa. Azar é fazer o contrário disto”.

Também houve uma referência ao caso “tardio” do BES – isto quando o Banco de Portugal que agora lidera é atacado por ter demorado a resolver o problema. “O Novo Banco era novo, mas herdeiro de velhos problemas e com muitos e complexos desafios pela sua frente. Não era um banco bom”.

TIAGO MIRANDA

Fundo só cobre perdas de ativos

Em relação à venda, e ao mecanismo de capital contingente em que o Fundo de Resolução arrisca 3,89 mil milhões de euros com o Novo Banco, Centeno diz que nunca escondeu que havia riscos na venda: “Em abril de 2017 vim ao Parlamento e utilizei 24 vezes nessa audição a palavra risco, o risco estava lá, estava reconhecido, era um exercício de maior dificuldade. Nunca utilizei a palavra não antes”. "O que fizemos na venda foi mitigar riscos. Disse-o em janeiro de 2018, em maio de 2018, foi mitigar risco. Quando se mitigam riscos, não se eliminam riscos", continuou.

O governador contestou, também, a auditoria do Tribunal de Contas e garantiu: “O Fundo de Resolução nunca pagou perdas que não estivessem nesse conjunto”. “Só há injeção se houver perdas dos ativos. Se não houvesse perdas nesses ativos nunca existiriam injeções de capital, era o mundo ideal”, ressalvou.

“É difícil encontrar uma instituição mais amiga do Ministério das Finanças do que o Tribunal de Contas, mas na verdade há algumas incorreções do Tribunal e derivam de uma incapacidade que o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal tiveram de esclarecer o Tribunal de Contas de como são validados e demonstrados todos os valores que fazem para da contabilidade de um banco”.

Apesar dessa "amizade", Centeno disse que o Fundo de Resolução teve oportunidade de se colocar à disposição de fazer uma demonstração ao Tribunal de Contas e "estranhamente o tribunal não deu resposta". No contraditório do Fundo à auditoria do Tribunal de Contas, as explicações estão lá: "Não é correto dizer que aquele número não foi validado, nem demonstrado".