Economia

Vítor Bento: Novo Banco nasceu com pouco dinheiro, "filho" de um “fantasma” e de uma “ilusão”

O Novo Banco recebeu 4,9 mil milhões do Fundo de Resolução em 2014. O montante era curto. Era impossível, na altura, que a venda da instituição financeira saldasse aquele montante. Opiniões deixadas por Vítor Bento, o seu primeiro presidente, na comissão de inquérito

Antonio Pedro Ferreira

A comissão de inquérito ao Novo Banco está mergulhada numa certeza: os 4,9 mil milhões de euros que foram colocados no nascimento do banco, em 2014, não davam folga para enfrentar os problemas futuros. Vítor Bento, que foi o primeiro presidente da instituição, alinhou nessa narrativa – aliás, há anos que a defende. Porém, esta terça-feira, na sua audição parlamentar, o agora presidente do conselho de admnistração da SIBS lembrou que é muito mais fácil hoje ter essa certeza do que há sete anos. E, na altura, havia ainda “um fantasma” e uma “ilusão” a toldar o momento.

“Hoje em dia é mais fácil fazer juízos retrospetivos. Temos mais informação. Na altura, era mais escassa. O próprio capital dos bancos em si é uma variável que tem uma componente de incerteza muito grande”, disse Vítor Bento aos deputados, depois de repetidamente questionado sobre os problemas do balanço inicial do Novo Banco.

Mas, ainda que tenha feito o disclaimer, Vítor Bento defendeu que “o capital dotado estava demasiado à pele”. Isso trouxe um problema; ou vários: “era negativo para os ratings do banco, tinha influência negativa na avaliação das contrapartes - do risco que o banco representava, nomeadamente, ao nível de linhas de mercado. Face a estas incertezas todas, não foi suficiente para restabelecer confiança no banco, e o banco continuava a perder recursos [depósitos]”. Na semana passada, o administrador financeiro da sua liderança, João Moreira Rato, tinha já deixado uma opinião nesse sentido, de que o capital era insuficiente logo à partida.

“Não fomos envolvidos nas necessidades de capital. Na madrugada de segunda-feira [a seguir à resolução], apercebemo-nos do balanço do banco recebido e da fragilidade do capital. Pareceu-nos que a dotação de capital se poderia revelar insuficiente pelos desafios que o banco tinha pela frente”, frisou o primeiro presidente do Novo Banco, sem, contudo, entrar nas oposições que marcaram intervenções anteriores contra o Banco de Portugal quando era liderado por Carlos Costa (a relação foi tensa porque o ex-governador queria uma venda rápida do banco, Bento queria cinco anos para concretizar essa operação).

Essa insuficiência de capital foi visível ao longo dos anos seguintes. Segundo as estimativas do agora presidente não executivo da SIBS (gestora do Multibanco), houve várias medidas, como a anulação de algumas provisões (incluindo sobre a linha de crédito ao BES Angola), que permitiram compensar as falhas de capital. Depois, também permitindo colmatar essas falhas, houve a transferência de dívida, no fim de 2015. Ao todo, diz, trata-se de quase 3,5 mil milhões em dois anos, que permitiram que os rácios de capital deixassem de estar em mínimos.

O fantasma e a ilusão

Os responsáveis do Banco de Portugal à data dos factos disseram, nas suas audições, que o dinheiro era suficiente para assegurar os rácios, mas que teriam preferido dar uma folga superior – mas, numa reunião do Ministério das Finanças de Maria Luís Albuquerque com a Comissão Europeia, essa intenção foi travada.

Sobre as autoridades europeias, Bento lembrou que não era assim tão impossível discutir com elas novas condições para o Novo Banco – recordou até o processo de capitalização da CGD, em 2016, quando Mário Centeno, hoje governador, era ministro das Finanças. “Era tido como impossível, mas, face a um projeto credível, as autoridades europeias acabaram por aceitar”, disse. O Executivo PSD/CDS sempre apontou para a dificuldade de negociar com Bruxelas, e para a exigência de reestruturação que se seguiria.

Para Vítor Bento, o problema em torno do BES e do Novo Banco resultou de um contexto. Era, disse, filho de um “fantasma” e de uma “ilusão”. Foram “duas grandes condicionantes que marcaram as escolhas feitas naquela altura”, continuou.

“O fantasma era o BPN”, declarou. Tinha sido nacionalizado em 2008, e só reprivatizado em 2012, numa venda por 40 milhões de euros, com perdas que já se temiam que superassem os 5 mil milhões de euros para o erário público.

“A ilusão era sobre o valor do banco”, disse. “Quem teve de tomar decisões, tinha a ideia sobre o valor do banco, que seria facilmente concretizável”. Na altura, o Banco de Portugal acreditava que conseguiria vender o Novo Banco por um valor próximo de 4,9 mil milhões. Não aconteceu. Em 2017, foi vendido por zero euros.

E quanto pagavam pelo Novo Banco em 2015?

Por que razão não o disse na altura? Quando saiu do Novo Banco, um mês e pouco depois da sua constituição, foi alvo de uma "campanha de descredibilização", atacou, sem dizer de onde partiu tal campanha. "Deliberadamente não quis exprimir a minha opinião publicamente para não acrescentar problemas aos que já existiam", continuou. Não ia criar problemas ao substituto, Eduardo Stock da Cunha, nem ao Banco de Portugal.

Mas, agora, deixa uma pergunta para que os deputados façam a Carlos Costa. "Ainda hoje não sei porque é que o banco não foi vendido em 2015 e qual o valor que estava em cima da mesa. Deveríamos saber".

Audição de Vítor Bento no Parlamento
Antonio Pedro Ferreira

Dinheiro da troika não podia capitalizar BES

O Novo Banco foi criado com a resolução do BES, decidida em 3 de agosto de 2014 pelo Banco de Portugal. Uma decisão que o apanhou de surpresa. Aliás, Vítor Bento – último presidente daquele banco – se soubesse o que iria encontrar, não teria aceitado a tarefa.

“A nossa entrada [no BES, a substituir equipa de Ricardo Salgado] era para ser depois de as contas do semestre estarem aprovadas. A nossa entrada foi antecipada e só no final de junho tivemos conhecimento das contas. Provavelmente, se tenho mantido a exigência de só entrar depois das contas aprovadas, não teria entrado”, admitiu.

Vítor Bento lembrou aos deputados que o Banco de Portugal, dias antes de anunciar a resolução, deu oportunidade para que procurasse capital junto de privados, mas que respondeu que essa opção era impossível de pôr em prática. Da mesma forma, também relembrou que o Governo de então, com Maria Luís Albuquerque nas Finanças, mostrou indisponibilidade de o BES vir a receber dinheiro da linha de capitalização pública que ficara dos tempos da troika (depois de Salgado recusar, durante anos, precisar daquele dinheiro). Aspetos que tinha já contado na comissão de inquérito ao BES, em 2014 e 2015.

Em relação a outros temas, Vítor Bento assegurou que a gestão do Novo Banco geriu da melhor forma o dossiê Tranquilidade (vendendo-a ao fundo Apollo, apesar de, durante o processo, a Liberty ter apresentado uma proposta não vinculativa).