Economia

Ex-administrador financeiro: Novo Banco nasceu com €4,9 mil milhões, mas logo ali precisava de mais dinheiro

Em 2021, discute-se 2014 no inquérito parlamentar ao Novo Banco: o primeiro administrador financeiro do banco, João Moreira Rato, garantiu que não esteve envolvido na definição do montante de capitalização inicial

Tiago Miranda

Seis anos e meio depois, o fim do Banco Espírito Santo (ou início do Novo Banco) continua a ser discutido. A recente comissão de inquérito às perdas causadas pelo banco inicialmente classificado como “bom” continua a recuar no tempo e a discutir que entidades (ou entidade) foram determinantes para definir o dinheiro que o Novo Banco recebeu quando nasceu.

O Novo Banco nasceu em agosto de 2014 com uma capitalização do Fundo de Resolução de 4,9 mil milhões de euros, dos quais 3,9 mil milhões emprestados pelos cofres públicos. Porém, naquela altura, a administração do banco já considerava que seria necessária a entrada de mais fundos. Era, aliás, isso que pretendia fazer. Só que o Banco de Portugal quis avançar para uma venda imediata que, na prática, implicou uma injeção de capital pelo Fundo de Resolução de pelo menos outros 3 mil milhões daquele acionista Fundo de Resolução nos anos seguintes.

Banco de Portugal sabia das preocupações

“Comunicámos ao Banco de Portugal as nossas preocupações com a questão sobre se o nível de capital seria suficiente para fazer face às dificuldades que esperávamos que pudessem advir nos meses que se iam seguir”, afirmou João Moreira Rato, o administrador financeiro do Novo Banco à data da sua constituição. “Não estivemos envolvidos”, disse, sobre a forma de apurar o montante de 4,9 mil milhões. “Fazíamos a nós próprios essa pergunta. Quais teriam sido os critérios para chegar aquele valor. O processo de resolução e os detalhes eram vagos”, continuou, na sua audição desta quinta-feira, 18 de março.

Com a capitalização inicial, os rácios do banco, que medem a sua solidez financeira e capacidade de fazer face aos riscos, ficavam em torno de 7% e 8%, os níveis mínimos exigidos pelo supervisor. Mas estes requisitos mínimos iriam crescer com as exigências de regulação e supervisão, pelo que era praticamente certo que o banco precisaria de capital fresco.

Naquela altura, o supervisor presidido por Carlos Costa não concordou, nem discordou da necessidade mais capital. “Recebeu a comunicação e não houve resposta”, declarou o agora presidente da administração do Banco CTT.

“Os riscos que o banco tinha na altura eram conhecidos, não só nas carteiras de crédito. Havia a posição na Portugal Telecom, havia uma posição cambial em dólares, havia vários fatores de risco”, enumerou o antigo CFO. O Banco de Portugal sabia que podia não haver capital suficiente para lidar com os problemas “de algumas exposições que estavam no balanço”, esclareceu.

Os responsáveis do Banco de Portugal que já foram ouvidos na comissão de inquérito (Pedro Duarte Neves e Luís Costa Ferreira) já disseram que preferiam que o banco tivesse recebido mais 500 milhões de euros aquando da sua constituição, no início de agosto de 2014, mas que saíram de uma reunião do Ministério das Finanças liderado por Maria Luís Albuquerque, onde estava presente a Comissão Europeia, com a indicação de que essa almofada não seria colocada no banco.

Não havia dinheiro público para pôr no banco

Naquele ano, a solução seria sempre recapitalizar o banco envolvendo investidores privados. “A nossa proposta passava por fazer aumentos de capital graduais recorrendo a investidores externos”, continuou João Moreira Rato. “Não”, acrescentou, nunca foi discutida a entrada de mais dinheiro público no Novo Banco. O BES, ainda sob Ricardo Salgado, tinha sido dos poucos que não quis recorrer à linha da troika direcionada para os bancos.

A administração de Bento acabou por sair em setembro, porque discordava do supervisor no modelo de venda do Novo Banco: o então governador, Carlos Costa, queria uma alienação rápida, para cumprir o limite de vida de dois anos atribuído pela Comissão Europeia ao Novo Banco, um banco de “transição”; a gestão pretendia tempo para procurar investidores. “É verdade que a limitação de dois anos de banco de transição era, para nós, um bocadinho contraproducente porque aumentava as nossas dificuldades. Ao incluir uma limitação de tempo que passa pela venda de ativos, normalmente há impactos negativos no valor desses próprios ativos”, disse aos deputados.

Um dos ativos que o Novo Banco tinha era a Tranquilidade, pela execução de um penhor da Espírito Santo Financial Group, do GES, que também foi referida na sua audição parlamentar - nomeadamente o envolvimento, enquanto advogado, do agora ministro de Estado Pedro Siza Vieira.

Entrada no BES com almofada de capital

Moreira Rato foi o primeiro administrador financeiro do Novo Banco, e foi também o último do BES enquanto tal. Esteve no cargo entre 14 de julho e 17 de setembro de 2014. Fez parte da equipa de Vítor Bento que substituiu Ricardo Salgado a pedido do Banco de Portugal. O antigo líder do IGCP fez questão de sublinhar, como fizera na audição da comissão de inquérito ao BES em 2015 que, na altura, o Banco de Portugal transmitiu-lhe que “havia uma almofada de capital de 2 mil milhões de euros” no banco.

Assim, segundo afirmou, a equipa de que fazia parte no BES e liderada por Vítor Bento foi “surpreendida pela medida de resolução que acabou por acontecer depois da apresentação das contas do primeiro semestre de 2014”, as quais deram prejuízos de 3,57 mil milhões de euros.

Carlos Costa foi governador do Banco de Portugal entre 2010 e 2020

A administração soube do fim do BES numa reunião a 1 de agosto de 2014, com o então governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. "Não trouxe elementos novos. Disse-nos que ia haver um banco mau e um banco bom, que estaria mais limpo de ativos problemáticos e que queriam que fossemos a equipa de gestão do banco bom", explicitou Moreira Rato. "Íamos ao Banco de Portugal com as propostas que tínhamos sobre as possibilidades de capitalizar o banco". Não foram postas em prática.

O BES foi alvo de resolução a 3 de agosto de 2014 e é desde aí que se debruça o trabalho da comissão de inquérito às perdas do Novo Banco - que seguirá até à atualidade. As primeiras audições têm-se centrado nesse período inicial.