Economia

Anulação da dívida divide deputados europeus

PS e PSD consideram que proposta é “inoportuna”. BE acha que o BCE tem de fazer o que Banco de Inglaterra e do Japão já fazem

Kai Pfaffenbachr/Reuters

O manifesto que mais de uma centena de economistas europeus assinou, a defender que o Banco Central Europeu (BCE) anule a dívida pública, está longe de ser consensual entre os deputados portugueses no Parlamento Europeu.
Para o bloquista José Gusmão o debate faz sentido e é uma questão de vontade política dar “ao BCE todas as condições para responder aos apelos desses economistas”, mas para os eurodeputados Lídia Pereira (PSD) e Pedro Marques (PS) trata-se de uma sugestão “inoportuna”.

“Podemos e devemos debater a gestão da dívida, sobretudo quando temos países – como Portugal - com níveis de dívida preocupantes, mas pedir um perdão, além de inoportuno não é razoável”, diz ao Expresso a social-democrata. Na visão de Lídia Pereira é de um “perdão” de dívida que se trata e isso “não só é proibido pelos tratados” — que não permitem que o BCE financie os Estados — como teria “resultados contrários” aos defendidos pelo próprio manifesto. Em vez de se facilitar a recuperação na era pós-covid-19, acabaria por levar a uma “desvalorização extraordinária do euro”, a um “agravamento exponencial da inflação” e a um aumento “significativo das taxas de juro” que prejudicaria o financiamento dos Estados.

Manifesto lançado num altura “terrível”

Na mesma linha, Pedro Marques rejeita o regresso do “discurso do não pagamos”. Entende que não foi útil há dez anos, na crise da dívida soberana, e pode colocar novos riscos económicos. Considera mesmo que o timing da proposta “é terrível”, tendo em conta que está a decorrer a ratificação pelos parlamentos nacionais da chamada Decisão de Recursos Próprios, que permite à Comissão Europeia contrair dívida nos mercados para financiar o Fundo de Recuperação de €750 mil milhões.

O socialista teme que se crie a ideia de que essa dívida contraída em conjunto pela União Europeia não venha a ser paga — sobretudo a que for comprada pelo BCE — e que alguns parlamentos possam repensar a ratificação, comprometendo o próprio Fundo de Recuperação. “Acho de facto perigoso”, conclui.

Visão bem diferente tem José Gusmão, que há muito defende “uma alteração dos Tratados” que permita ao BCE “fazer livremente o que já fazem bancos centrais” no Reino Unido, Japão ou mesmo nos Estados Unidos que “estão a imprimir dinheiro” desde que começou a crise pandémica “sem nenhuma das consequências catastróficas” invocadas na Europa. Para o bloquista é essencial abordar os problemas do sobre-endividamento e defende que, mesmo sem reformas dos Tratados, é possível criar instrumentos como a “conversão de títulos de dívida em títulos perpétuos ou de muito longo prazo”.

No manifesto propõe-se que em troca do cancelamento os Estados invistam esses montantes na reconstrução ecológica e social. O socialista Pedro Marques vê um “risco político” nesta última ideia. “Estamos a pensar numa nova troika? O BCE depois vinha verificar a execução dos orçamentos nacionais?” Já Lídia Pereira considera que “o BCE tem sido corajoso e ambicioso na resposta à pandemia” e não vê necessidade em “estender essa flexibilidade” ao limite do “perdão”. Quanto a Gusmão, sublinha que é uma questão de vontade. “Se há coisa que aprendemos na UE é que os obstáculos legais só são um problema quando não se quer fazer uma coisa”, argumenta, e dá como exemplo o próprio programa de compra de dívida do BCE (quantitative easing) ou a decisão de emitir dívida conjunta europeia. Já foram vistas como impossíveis, mas deixaram de o ser, acrescenta.