Economia

Devedores que levaram Novo Banco a pedir ajuda aos contribuintes já tinham risco nos anos anteriores

Metade das perdas por imparidades registadas entre 2014 e 2018 foram sentidas só após venda à Lone Star, conclui auditoria da Deloitte

António Ramalho, presidente do Novo Banco

O grupo de maiores devedores do Novo Banco foi o grande responsável pelo dinheiro que a instituição deu como perdido em 2017 e 2018. Só que “uma parte relevante” das empresas que causaram perdas nestes dois anos que se seguiram à venda à Lone Star – levando o banco a pedir ajuda ao Fundo de Resolução e, daí, aos contribuintes – já apresentava sinais de perdas antes disto.

Esta é uma das conclusões da auditoria especial feita pela Deloitte, em que, em 371 páginas (ainda que muitas delas truncadas por dever de segredo bancário e de negócio), deveria elencar as causas para as capitalizações que o banco herdeiro do BES tem necessitado.

“Uma parte relevante dos devedores para os quais foram registados reforços de imparidade em 2017 e 2018 apresentava já incumprimento ou outros ‘triggers’ de risco em períodos anteriores”, assinala a Deloitte no documento disponibilizado esta terça-feira, 8 de setembro.

Ou seja, as perdas foram materializadas nestes dois anos, em que já estava em vigor o mecanismo de capital contingente (através do qual o Fundo de Resolução é chamado a cobrir perdas no banco), mas já havia risco nestes clientes em anos anteriores. Por conta dos anos de 2017 e 2018, o Fundo foi chamado a colocar 1,9 mil milhões de euros no banco, pedindo 1,3 mil milhões aos contribuintes.

Aliás, a Deloitte reforça que metade das perdas por imparidade que foram registadas entre a criação do Novo Banco, em agosto de 2014, e o final de 2018, foram registadas entre o último trimestre de 2017 e o ano de 2018.

Não são revelados quais os clientes do Novo Banco em causa (nas páginas em que eles são elencados, tudo é tapado). Na amostra escolhida pela Deloitte, foram analisados 121 devedores, pertencentes a 56 grupos económicos, que causaram perdas de 2,3 mil milhões de euros à instituição financeira.

Perdas totais esperadas em 12 dos 121 devedores

Destes 121 devedores, o que se sabe é que o Novo Banco reconhecia, em 2018, a perda total de todo o crédito em apenas 12 (além de 36 a que, nessa data, já não tinha exposição). Nos restantes, havia parcelas onde ainda poderia verificar perdas adicionais.

Em 40 devedores, a imparidade era de pelo menos metade da exposição que o banco tinha ao grupo, mas em 10 era apenas de até 20% dos empréstimos concedidos. Herdeiro do BES, o Novo Banco tem os créditos por si concedidos concentrados num pequeno grupo de clientes: apenas 14 grupos económicos representam 70% das perdas totais registadas pelo banco.

Angola e Brasil justificam imparidades

Em 2014, no fim do BES, 60 dos devedores selecionados nesta amostra tinham imparidades associadas inferiores a 20% do total emprestado. Assim, o que se sabe é que, até à resolução, as perdas ainda não eram relevantes: “Em 4 de agosto de 2014 a maioria dos devedores incluídos na amostra não apresentava crédito vencido (83 devedores), verificando-se a partir dessa data um aumento relevante da exposição vencida”.

Só que tal acontecia porque o BES de Ricardo Salgado (ainda ontem condenado pelos tribunais num processo do Banco de Portugal, ainda passível de recurso) ia reestruturando a dívida: “De destacar que no âmbito do nosso trabalho verificámos que até 4 de agosto existiu um número significativo de operações com processos sucessivos de reestruturação, nomeadamente através da prorrogação de prazos”.

É a partir de 2014 que se começam logo a verificar perdas, que se vão intensificando em 2017 e 2018, como referido.

O banco presidido por António Ramalho avança, na resposta à Deloitte, algumas razões para este reforço de imparidades: “reavaliação de colaterais e/ou problemas na execução dos mesmos, incluindo ações cotadas, ações não cotadas e ativos imobiliários no Brasil”; “evoluções adversas de atividade em project finance no Brasil”; “incumprimentos de Planos Especiais de Revitalização ou planos de reestruturação e insolvências”; “evoluções adversas na atividade do devedor, incluindo na atividade internacional, nomeadamente Angola, Moçambique e Venezuela, relativamente a algumas entidades a operar no sector da construção”, e ainda “sentenças judiciais adversas”.

Na apresentação que forneceu aos jornalistas na semana passada, antes da divulgação desta auditoria, o Novo Banco já defendia aqui que o mecanismo que foi criado aquando da venda à Lone Star não tinha uma “injeção de capital imediata”, não tendo sido realizada à cabeça, como aconteceu com a Caixa Geral de Depósitos. Assim, a limpeza não foi feita rapidamente.