Imagine uma peça de vestuário. Provavelmente ela não existiria se o mundo não estivesse globalizado, pois é composta de diferentes acessórios que podem ser oriundos de cinco ou mais países. O exemplo parece estranho, mas reflete a realidade do sector têxtil, o mais globalizado do mundo, com cerca de 85% dos produtos que se vendem na Europa a chegarem da Ásia, sejam as matérias-primas ou o produto acabado. Uma realidade transversal a outros sectores, com a indústria automóvel à cabeça. Grande parte das peças e componentes de todas as marcas são produzidas na China ou noutros países asiáticos. É resultado, em muitos casos, da deslocalização das indústrias europeias e americanas, que procuravam produzir com recurso a mão de obra barata.
Nos últimos meses, este cenário sofreu grandes alterações impostas pelas limitações de circulação de pessoas e de mercadorias, devido à pandemia da covid-19, e o mundo começou a mudar. Os países foram obrigados a olhar para dentro e a perceber quais as suas forças e fraquezas, no xadrez do comércio internacional, e a tomar medidas para que nada lhes faltasse.
Durante o período de confinamento, o encerramento de fronteiras e a suspensão temporária de muitos negócios dificultou a entrega de mercadorias, causando falhas de abastecimento de ordem diversa, um pouco por todo o mundo. “Esta não é uma crise convencional”, lembra Augusto Mateus, economista. “É uma crise que articula dois choques exógenos iniciais de encerramento e confinamento, bloqueando a mobilidade interna e internacional de pessoas, e o funcionamento de múltiplas atividades. Tudo isto traduz-se na diminuição da procura, na alteração da oferta e na disrupção das relações entre oferta, procura, cadeias de produção e distribuição”, acrescenta.
Será este o início do fim da globalização tal como a conhecemos? A resposta não é unânime, mas há quem defenda que estamos a entrar na era da desglobalização. Mesmo antes da pandemia que assola o mundo, as relações comerciais entre as grandes potências – como a China ou os Estados Unidos – já estavam a arrefecer. A par de alguma instabilidade no comércio internacional, o aparecimento e crescimento de alguns movimentos nacionalistas, e contra a imigração, já indiciavam um aumento do protecionismo em alguns Estados, e há uma tendência para a reformulação das cadeias produtivas globais. Apesar disso, Pedro Mata, deputy CEO do Banco Credibom, não acredita na desglobalização, mas garante que “a recente dinâmica internacional irá promover movimentos de transição”. Assegurar um melhor controlo nas cadeias de distribuição, promovendo um reforço de regiões em detrimento do globo e um reforço de zonas de segurança, desde a saúde pública dos cidadãos (p.e. fluxo de turismo internacional), até à segurança dos sistemas económicos, políticos e sociais de cada parceiro, são alguns dos exemplos que aponta.
Oportunidade para relançar o projeto europeu
Com a segmentação comercial do mundo, a construção de uma resposta europeia conjunta assume uma enorme importância. Na opinião de Augusto Mateus, esta resposta deverá ser coerente e “dotada de programas nacionais específicos e especializados que se integrem na adoção de objetivos e instrumentos concretos”, com vista a superar esta crise. “A ilusão de que cada pessoa, empresa, negócio, sector, território ou país se pode 'salvar' sozinho é demasiado perigosa para não ser combatida”, reforça. Em simultâneo, acredita o economista, esta poderá ser a oportunidade real para reorientar e relançar o projeto europeu, “numa situação onde, sem uma reestruturação quase completa das formas, modelos e processos da globalização, não será possível construir uma resposta sustentável aos desafios colocados por esta crise económica e social”.
Para refletir sobre estas questões, o painel de convidados do Expresso, composto por Isabel Ferreira, Secretária de Estado da valorização do interior, Jorge Coelho, presidente do Conselho Estratégico Empresarial de Sintra, Filipe Santos, dean da Católica Lisbon School of Business and Economics e Presidente da EVPA, Augusto Mateus, economista, e Pedro Mata, deputy CEO do Banco Credibom, reúne na próxima segunda-feira, dia 13 de julho, em direto através do Facebook. A moderação da conversa ficará a cargo de Marta Atalaya, jornalista da SIC Notícias.