Antes da pandemia, menos de um terço das empresas nacionais tinha colaboradores em teletrabalho e o restante não tinha uma política definida sobre o tema, segundo dados revelados ao Expresso pelo advogado especializado em Direito do Trabalho, António Garcia Pereira. O especialista cita ainda um estudo da SIBIS – Statistical Indicators Benchmarking the Information Society que aponta que, em Portugal, apenas 3% da população ativa trabalhava neste regime, quando nos países do norte da Europa a mesma percentagem disparava para cima dos 20%. Apesar de ser um estudo antigo, datado de 2003, Garcia Pereira acredita que até ao período pré-pandemia, a situação deveria manter-se praticamente idêntica. Agora, em pouco mais de três meses, e segundo um inquérito do Banco de Portugal e do Instituto Nacional de Estatística, na primeira quinzena de maio, 54% das empresas tinham trabalhadores em teletrabalho.
“O teletrabalho foi inevitável e no atual momento da pandemia está em questão a sua efetividade”, refere Teresa Carla Oliveira, professora na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. “Percebemos que é necessário mais formação e educação para saber como usar de uma forma segura as plataformas disponíveis, organização espacial e relacional para criar ambientes de trabalho física e psicologicamente seguros, autonomia e confiança para acesso a informação necessária que facilite a realização do trabalho”, acrescenta.
Na mesma linha de pensamento, Pedro Paiva, diretor de Mobilidade Empresarial da Samsung Portugal, acredita que a crise pandémica acelerou a consciencialização dos responsáveis das empresas para o tema da mobilidade e segurança e que o teletrabalho passou de um nice-to-have para uma rotina diária de grande parte das pessoas. “Uma das principais aprendizagens que podemos daqui retirar é a de que é possível ter uma empresa a trabalhar remotamente, motivada e produtiva, fazendo um uso adequado e seguro da tecnologia e das ferramentas digitais”. Outro aspeto, como destaca Nuno Cavaco, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Partner da Lisbon Consulting Group, é a aceleração na adoção de novas tecnologias e na flexibilidade e abertura pela opção de trabalhar em qualquer local, “não só pela crescente vontade dos colaboradores em poder ter essa flexibilidade, mas também pela confiança que se gerou entre os colaboradores e o empregador e a sociedade em geral”, reforça.
Para o futuro, e como avança António Garcia Pereira, “há pressão para continuar porque os empresárioss perceberam como poupam”. Da redução do absentismo, aos custos com o trabalho ou o aumento da dimensão quantitativa do trabalho (mais horas ao serviço da empresa), as poupanças são evidentes. Contudo, o advogado alerta para a urgência na regulamentação deste regime de trabalho. A fixação do direito à desconexão, exemplifica, “é a única forma de evitar abusos sobre a força de trabalho”. Outro perigo é também a diluição entre a vida pessoal e profissional.
Já Nuno Cavaco acredita que o novo normal vai caraterizar-se por um ecosistema de locais de trabalho, onde o escritório terá um novo propósito inspiracional, de reforço da coesão organizacional e cultural, camaradagem e de estímulo da criatividade e inovação. “Como humanos necessitamos de equilíbrio mental, emocional e físico, bem como de interação. O teletrabalho revela benefícios, mas não deve ser adotado a 100%”. Uma opinião partilhada em parte por Teresa Carla Oliveira. “Uma sociedade que se quer humanizar coloca a pessoa no centro e numa lógica de benefício e respeito mútuo que se reflete em ambientes de confiança. Promover e garantir as necessidades relacionais e afetivas são a base da garantia de um desenvolvimento económica e política sustentável”.
Com o ponto de partida sobre a temática do teletrabalho imposta pela pandemia, e sobre o rumo desta forma de trabalhar num futuro próximo, a próxima conferência do ciclo 'Parar para Pensar' junta na mesma sala virtual António Garcia Pereira, Teresa Carla Oliveira, Nuno Cavaco, Pedro Paiva e Nadim Habib, professor na Nova SBE. Com a habitual moderação de Marta Atalaya, jornalista da SIC Notícias, a conversa decorrerá, em direto, na página de Facebook do Expresso, na segunda-feira, dia 6 de julho, a partir das 17 horas.