Economia

UTAO pede aos deputados para criarem uma estrutura interna de acompanhamento às garantias públicas prestadas pelo Governo

Orçamento Suplementar aumenta teto das garantias estatais para €24,9 mil milhões. Empresas públicas, regiões autónomas, municípios, TAP ou novo Banco também preocupam a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República

Joana Nunes Mateus

“O relatório dá conta de omissões importantes de informação crucial para justificar a bondade das autorizações solicitadas à Assembleia da República (AR)”, lê-se logo no início do relatório que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) preparou sobre a proposta de alteração do Orçamento do Estado de 2020 (vulgo Orçamento Suplementar).

A equipa coordenada pelo professor Rui Nuno Baleiras chama a atenção dos deputados da Assembleia da República para os “aumentos expressivos nos compromissos financeiros de médio e longo prazo das administrações públicas”, a começar pelas garantias públicas. A UTAO aconselha mesmo o Parlamento “a ponderar a criação de uma estrutura interna para acompanhamento da evolução deste risco orçamental”.

Garantias públicas

A UTAO alerta que o Orçamento Suplementar solicita autorização para novo aumento no teto de garantias, em cerca de €9,6 mil milhões, passando-o para €24,9 mil milhões até final de 2020, em termos de fluxos líquidos anuais. E que as autorizações da Comissão Europeia para concessão de auxílios de Estado em 2020 abrem a porta para que o Estado possa, até 31 de dezembro, transformar parte das garantias concedidas em transferências para as empresas.

Daí que a UTAO aconselhe a Assembleia da República (AR) a ponderar a criação de uma estrutura interna para acompanhamento da evolução deste risco orçamental. “É bem possível que o Governo apenas utilize uma parte deste limite, mas também é verdade que o futuro é muito incerto e não permite excluir pressões fortes para o aproveitamento integral, sobretudo se houver novos surtos de COVID-19 ou se se não concretizarem, por outras razões, as perspetivas dos previsores institucionais quanto à reversão de perdas de PIB a partir do quarto trimestre”.

Considerando as medidas em vigor e as constantes do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), o conjunto das garantias estatais concedidas só no contexto da mitigação dos efeitos da pandemia COVID-19 totalizam €15 mil milhões (7,51% do PIB). O PEES prevê o reforço em €6,8 mil milhões das linhas de crédito com garantia estatal e de €2 mil milhões nos seguros de crédito à exportação, num total de €8,8 mil milhões. A este montante, deve ser adicionado a garantia estatal à Linha de Apoio à Economia COVID-19, no montante de €6,2 mil milhões, totalizando €15 mil milhões.

“A proposta de lei em apreço na AR visa alargar ainda mais o espaço do governo para conceder mais garantias. As garantias públicas constituem um instrumento de política orçamental destinado a alavancar o financiamento à economia, sem impactos orçamentais imediatos, mas que constituem riscos orçamentais descendentes sobre o saldo. No caso português, considerando o nível das garantias concedidas e a estimativa indicativa avançada pelo Banco Central Europeu, as perdas associadas podem situar-se entre €750 milhões e €1,5 mil milhões”, alerta a UTAO no relatório sobre a proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2020.

A proposta de Orçamento Suplementar também “não fornece informação sobre a possibilidade de concessão de apoios diretos à economia no montante de €1,6 mil milhões e de conversão de parte das garantias (€13 mil milhões) em subsídios, constituindo ambos riscos descendentes para as finanças públicas até ao final do ano de 2020”.

TAP

A UTAO alerta que o empréstimo de €1200 milhões a conceder à TAP não se encontra especificado nas medidas de política da proposta do Orçamento Suplementar. “É reconhecido como despesa de capital em contabilidade nacional pelo montante de €946 milhões. Os restantes €254 milhões constituem um risco orçamental descendente. O empréstimo estatal a conceder à TAP Air Portugal constitui uma ajuda de Estado e foi autorizado pela Comissão Europeia até ao limite de €1,2 mil milhões, encontrando-se também orçamentado por este montante em contabilidade pública”, critica a UTAO.

A UTAO acrescenta que este financiamento à TAP é “considerado como um empréstimo em contabilidade pública e reconhecido como despesa de capital pelo montante de €946 milhões em contabilidade nacional, por se assumir um elevado risco de perda de capital associado a esta operação”.

Empresas públicas, regiões autónomas e municípios

A UTAO avisa que não se encontra na documentação que acompanha o Orçamento Suplementar “nenhuma evidência empírica sobre a situação de partida das empresas públicas nem sobre a fundamentação económica para um novo aumento no teto de endividamento, depois do acréscimo de 2% concedido há menos de três meses”.

A UTAO alerta que "a autorização para emissão de dívida pelas regiões autónomas (€948 milhões) para responder a necessidades de financiamento acrescidas no contexto da pandemia do COVID-19, representa um agravamento de 0,47 pontos percentuais no rácio da dívida consolidada das administrações públicas, pedindo o Governo o excecionamento desta operação do impedimento de acréscimo no endividamento líquido definido na lei orçamental em vigor".

A UTAO acrescenta que várias medidas legislativas pretendem alargar a capacidade legal de endividamento das regiões autónomas e dos municípios, através da criação de mais exceções e suspensões de regras orçamentais. “A replicação de exceções, tanto em tempos de crise como em tempos de bonança, descredibiliza o próprio edifício legislativo da AR sobre estabilidade e previsibilidade orçamentais e é, em si, um risco objetivo ascendente para a sustentabilidade das finanças regionais e, por essa via, das finanças públicas nacionais”.

Sobre as finanças regionais, a UTAO alerta que “a documentação do Governo que acompanha a proposta de lei não contém evidência que permita aferir a necessidade das alterações legislativas solicitadas nem informa sobre a situação de partida das regiões autónomas”. Sobre as finanças municipais, a UTAO avisa que o PEES anuncia a intenção de relaxar em permanência a regra da dívida total dos municípios. “A UTAO alerta para a conveniência de o assunto ser devidamente ponderado tendo em conta a escolha estruturante entre regras e discricionariedade e o papel de bússola que aquelas devem ter para comportamentos financeiramente responsáveis”.

Novo Banco também é risco

Tudo somado, a UTAO considera existirem vários fatores de risco em torno das projeções do Orçamento Suplementar. “Entre estes, destacam-se os que decorrem das outras despesas de capital, onde se incluem as injeções e transferências de capital para entidades fora do sector das administrações públicas, como é o caso da TAP e do Novo Banco. O impacto orçamental destas operações em 2020 poderá vir a ser superior ao que se encontra atualmente reconhecido na despesa primária”.

Para além deste aspeto, aos €8,8 mil milhões de aumento proposto para a despesa primária, pairam ainda riscos ascendentes sobre esta despesa relacionados com as garantias do Estado previstas pelo ministério das Finanças relacionadas com a resposta de emergência à COVID e com o PEES, cujo valor ascende a €15 mil milhões. A UTAO conclui que a este montante poderão acrescer mais garantias sem utilização ainda prevista, uma vez que, com a aprovação dos tetos solicitados, as administrações públicas poderão emitir até €24,9 mil milhões em termos líquidos até 31 de dezembro de 2020.