Apesar de sempre ter dado prejuízos, a Farfetch acredita que está no caminho certo para se tornar lucrativa. E uma das provas foi o ano que passou, garante ao Expresso Luís Teixeira, diretor-geral da tecnológica de ADN português.
“2019 foi um ano fantástico para a Farfetch. E terminou de forma muito positiva no último trimestre”, realça o responsável pelas operações globais da empresa. “Temos uma estratégia clara de crescimento e de captura de quota de mercado - crescemos 40%, quando o sector cresce metade. Foi também um ano de estabilização das nossas margens operacionais, que muito contribuíram para o caminho que estamos a fazer em direção à rentabilidade.”
A Farfetch - conhecida pela sua plataforma de comércio online que agrega marcas de roupa e acessórios de luxo, retalhistas e consumidores - apresentou na passada quinta-feira receitas de mais de mil milhões de dólares, um aumento de 69% face a 2018, apesar dos prejuízos terem mais do que duplicado para 373 milhões de dólares.
No entanto, quase 73% desses prejuízos dizem respeito a amortizações e depreciações (113,6 milhões de dólares) e pagamentos em ações aos funcionários (158,4 milhões). “São dois investimentos dos quais nos orgulhamos muito: a aposta nas nossas pessoas e os investimentos que fizemos este ano”, com a compra da empresa de calçado Stadium Goods (por 250 milhões de dólares) e da plataforma de marca de luxo New Guards (por 675 milhões).
De acordo com Luís Teixeira, “estas aquisições foram muito mal compreendidas pelo mercado”. Na altura, “não podíamos explicar imediatamente a estratégia, para não revelar o segredo do negócio e da inovação, mas a aquisição vem completar a nossa plataforma 360º para a indústria e alavancar a criação de conteúdos exclusivos”. Foi o que fizeram com o lançamento do Farfetch Beat, estratégia de lançamento de coleções exclusivas para alavancar uma comunidade exclusiva de parceiros, marcas do grupo New Guards Group, colaborações com boutiques, sapatilhas raras e peças de streetwear de culto da Stadium Goods.
Questionado sobre se esta estratégia agressiva de aquisições é sustentável e para continuar, o responsável da Farfetch revela que o foco neste momento está “em alavancar as aquisições que a empresa já fez e garantir a continuidade do crescimento” que, no próximo ano e a médio prazo, será de 30% ao nível da plataforma digital.
Sinais positivos, diz ela
Mas será isso suficiente para dizer que os lucros estão já ao virar da esquina? Que sinais tem então a Farfetch para considerar que está no caminho certo para a rentabilidade?
“Quando falamos em caminho para a rentabilidade estamos a falar no caminho para o break-even [equilíbrio] ao nível do EBITDA ajustado, que é o resultado operacional”, explica Luís Teixeira. “Não é muito comum em Portugal, porque estamos a falar de negócios mais tradicionais, mas negócios que crescem muito e que não podem parar de crescer, principalmente quando são líderes de mercado ao fim de onze anos, têm de continuar a investir. Aquilo que interessa aos investidores é que os resultados da nossa operação atinjam o beak even e comecem a gerar cash flows [fluxos de caixa] positivos.”
Os investidores parecem partilhar da mesma opinião. Esta sexta-feira, a Farfetch disparou 17,5% na bolsa de Nova Iorque, passando cada ação a valer 11,17 dólares (ainda abaixo dos 20 dólares por ação com que a empresa entrou em bolsa).
Apesar do EBITDA ajustado (resultado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) ter sido negativo em 121,4 milhões de dólares (111,6 milhões de euros), agravou 26,49% em 2019 face ao ano anterior - quando de 2017 para 2018 tinha piorado 65,22%. Ainda assim, o valor no quarto trimestre (-18 milhões de dólares) estava acima das expectativas dos analistas, que apontavam para -25 milhões.
Além disso, “é preciso ter em conta que as vendas da plataforma digital da Farfetch aumentaram 40% e, em toda a empresa, 52%”, recorda Luís Teixeira.
É por isso que investidores, analistas e a tecnológica fundada por José Neves preferem olhar para a margem EBITDA, uma métrica de rentabilidade operacional apresentada como uma percentagem da receita líquida das vendas. E esta, de facto, melhorou - não só no último trimestre (de -8,6% para -5,3%) como em todo o ano (de -19% para -13,6%).
“Isto são valores fabulosos que vão de encontro à nossa meta de alcançar a rentabilidade em 2021”, acredita o diretor-geral da Farfetch Portugal. “Claro que temos de continuar a entregar a nossa estratégia de vendas e a capturar quota de mercado, adquirir clientes de uma forma que mantenha as nossas margens controladas (como fizemos no último trimestre) e continuar a entregar eficiências. Se fizermos isso, a rentabilidade operacional virá naturalmente.”
Coronavírus ainda não teve impacto
Com o surto que teve origem na China a afetar a economia mundial, algumas tecnológicas já revelaram que o coronavírus está a prejudicar o negócio. E tendo em conta o peso do mercado chinês no negócio da Farfetch, será que o negócio deste unicórnio (empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares) pode vir a ser afetado?
“Até agora ainda não sentimos o nosso negócio afetado de forma material - muito pelo contrário”, sublinha Luís Teixeira. “China, Japão, Coreia do Sul ou mesmo Itália foram mercados que cresceram mais rápido do que o resto do negócio no mês de fevereiro.”
O responsável pelas operações globais diz que há várias marcas a nível mundial que estão a ser afetadas porque os seus retalhos físicos ou fecharam ou não têm clientes. Mas que isso não é uma ameaça para a Farfetch.
“Com o nosso modelo de negócio, o risco está muito mais distribuído: na plataforma temos mais de três mil marcas, mais de três biliões de stock distribuídos por mais de três mil stock points, divididos por 50 países, temos clientes em 190 países e operamos com múltiplos parceiros de logística. No contexto atual, somos até uma força que pode ajudar a indústria a ultrapassar esse problema.”
O resto, acredita o responsável da Farfetch, “é pura especulação”. “O que sabemos é que até agora o coronavírus não teve impacto. Quanto ao futuro não podemos adivinhar.