As operações que o antigo Grupo Espírito Santo (GES) tinha no Brasil e no Paraguai não vão dar uma grande ajuda à recuperação dos créditos por parte de lesados, como o fundo que agregou os clientes com papel comercial ou a empresa portuguesa Pharol. Os arrestos decretados pela justiça também continuam a ser um problema. E, agora, até a política monetária do Banco Central Europeu (BCE) prejudica a recuperação por parte dos credores.
Detida pela Rioforte, a sociedade Euroamerican Finance, que detém participações no Brasil e, indiretamente, também no Paraguai, encontra-se em liquidação. A Deloitte Tax e Consulting é a gestora deste processo, em que um dos passos é a venda dos ativos.
Só que, até agora, não há grandes fundos a chegar, como admitem os responsáveis por acompanhar a insolvência da Rioforte, Alain Rukavina e Paul Laplume, no relatório em que fazem um ponto da situação dos processos de insolvência das empresas do GES que estavam sediadas no Luxemburgo, à data de 31 de dezembro de 2019.
“Tendo como base as informações atuais, os curadores não antecipam uma entrada significativa de fundos da Euroamerican Finance nos próximos três a cinco anos”, assumem Rukavina e Laplume.
No Brasil, as vendas que tiveram lugar ainda não representaram encaixe para a Euroamerican Finance. E continua a haver o aviso de que há sociedades brasileiras a arriscar a insolvência. Para trás, já se concretizaram as vendas da Companhia Brasileira de Agropecuária (Cobrape) e da Espírito Santo Property Brasil, mas, como assumido em agosto, o dinheiro não seguiu para a Rioforte. Foram feitos para uma conta que ficou bloqueada à guarda da justiça.
No Paraguai, a situação não é muito diferente. Não deverá geração de fundos suficientes com as alienações. A Euroamerican Finance detém a Payco, focada na criação de gado bovino e na produção de soja e algodão, e a última informação pública indicou que a sua venda falhou.
Sem o dinheiro a chegar ao Luxemburgo, onde decorre a insolvência da casa-mãe destas sociedades, a Rioforte, há menos dinheiro para os seus credores.
A venda de ativos é uma das formas de elevar os montantes para que os credores possam fazer uma recuperação das suas dívidas. Aqui encontra-se, por exemplo, a portuguesa Pharol, ex-Portugal Telecom, que reclama perto de 900 milhões de euros pelo papel comercial da Rioforte que subscreveu - mas que reconhece que só deverá receber cerca de 7% do valor, antecipando 64,6 milhões.
Também há detentores de papel comercial vendido aos balcões do banco – aqui, a sua grande maioria está representado pelo fundo de recuperação de créditos gerido pela Patris.
Arrestos dificultam encaixe
A ausência de fundos nas vendas não é o único problema. Os curadores da insolvência da Rioforte e da Espírito Santo International, outra empresa de topo do antigo GES, enfrentam também outra dificuldade.
A justiça portuguesa decretou arresto sobre os bens do grupo, pelo que decide caso a caso o que acontece aos fundos no seu caminho para as contas da Rioforte e da ESI.
“É de sublinhar que as contas que recebem essas transferências são depois arrestadas pela procuradoria”, assinalam os curadores no comunicado. Na Suíça, os bens também são alvo de arresto.
A justiça portuguesa tem inquéritos abertos sob a designação Universo Espírito Santo. Segundo o Observador, a mega acusação do Ministério Público deverá estar preparada no segundo trimestre de 2020.
Em causa está a investigação a crimes de associação criminosa, corrupção com prejuízo no comércio internacional, burla qualificada, falsificação de documentos, corrupção ativa e passiva no setor privado, branqueamento de capitais e infidelidade. Nesse sentido, os fundos em torno do grupo e dos seus antigos gestores estão sob arresto, para evitar a dissipação e para haver forma de ressarcir eventuais lesados.
BCE prejudica depósitos no Luxemburgo
De qualquer forma, nos processos formais de insolvência, a expetativa de recuperação é reduzida.
A Rioforte detém bens no banco avaliados em 136 milhões de euros, mas conta com um passivo de 3,5 mil milhões, o que significa que, até aqui, os bens na sua posse só salvaguardam a recuperação de menos de 4% das dívidas perante terceiros.
A situação não é muito diferente na ESI, onde as reclamações de crédito ascendem a 7,4 mil milhões de euros, e os bens no banco ascendem a 32 milhões de euros e a 143 milhões de dólares, neste caso adiantando uma proporção de 2%.
Só que há aqui um problema adicional. “Devido à política do Banco Central Europeu, os bancos luxemburgueses cobram juros negativos sobre os depósitos em euros”, avisam os curadores da insolvência. Embora seja proibido fazer esta cobrança em Portugal, noutros países da União Europeia não é – motivo, aliás, para as queixas da banca nacional devido à desigualdade.
Ou seja, as empresas têm de pagar juros para terem os valores depositados durante o processo de insolvência. E este processo deverá demorar anos.