Economia

Os créditos de milhões que voaram dos bancos em 2019

A banca perdoou muitos milhões de euros a grandes devedores em processos de reestruturação de créditos. É uma forma de tentar recuperar parte dos empréstimos e assegurar a viabilidade das empresas que, para sobreviver, continuam a necessitar do auxílio dos bancos. O Expresso reuniu alguns dos casos mais relevantes que aconteceram no ano passado.

Malo Clinic

Perdões até 90%

A expansão internacional foi um dos grandes motivos para a deterioração das contas da Malo Clinic, nome herdado do fundador, Paulo Maló, que chegou a 2019 com uma dívida em torno de €70 milhões. O Novo Banco, principal credor da empresa de prestação de cuidados dentários, executou a empresa. Não recebia juros desde junho de 2018 e já registava incumprimento no reembolso de capital. Além disso, lançou um processo de venda. O comprador foi a gestora de fundos especializada em recuperações de empresas (private equity) Atena Equity Partners, e, no âmbito dessa aquisição, foi pedido um processo especial de revitalização (PER), em que, sob administração judicial, a empresa tentaria um acordo com os credores. Conseguiu-o.

Para chegar ao entendimento, o Novo Banco teve de ter uma palavra determinante. Isto porque era ele o principal credor, com créditos reconhecidos de €56 milhões sobre a empresa com presença na China, EUA, Espanha, Reino Unido, Polónia, Japão e Austrália. Nesse plano, a instituição liderada por António Ramalho aceitou perdas nos contratos de financiamento. De uma dívida total de €71 milhões, os credores aceitaram que só teria de devolver €27 milhões. O banco só irá receber cerca de metade da sua dívida, perdendo €25 milhões.

Também o grupo Caixa Geral de Depósitos (CGD), através do macaense Banco Nacional Ultramarino, teve de aceitar que não iria receber a sua dívida, ainda que, no ano passado, já tenha tentado executar a sociedade com presença em Macau. Segundo noticiado, dos €6,9 milhões reconhecidos, apenas irá receber cerca de €690 mil. Aos credores comuns, como esta instituição, foi aplicada uma perda de 90% dos seus créditos.

Ao “Jornal de Negócios”, o Novo Banco justificou a aceitação por apoiar “soluções que preservem os postos de trabalho e a atividade de empresas em processo de recuperação”.

No caso da Malo Clinic, a nova dona, a Atena, tinha de fazer um saneamento. Encerrou clínicas em Portugal e anunciou um investimento de €4 milhões para a empresa dar a volta. A marca deverá manter-se, mas, neste trajeto, quem saiu foi o fundador, Paulo Maló.

Varandas de Sousa

Cogumelos derretem 70%

Dos dentes passamos para os cogumelos, mas a história não muda muito. Há um empresário com ambição em fazer crescer o negócio, mas o avanço não corre bem, e o banco credor tem de reconhecer perdas para não perder ainda mais.

A Varandas de Sousa, SA, do grupo Sousacamp, tinha unidades em Portugal, a primeira delas em Vila Flor, e estava a construir uma nova, em Vila Real. Estava também em Espanha e queria ir para a Argélia. A construção em Vila Real sofreu atrasos, acabando por ser penalizada pela queda do BES, em 2014, que era o principal financiador e também acionista, através do seu braço de capital de risco. E é o banco que, anos depois, vai ajudar a ditar o seu futuro e a saída da empresa das mãos do fundador, Artur Sousa.

Desde 2017 que a empresa tenta a sua recuperação. Primeiro, veio um pedido de PER, que não recebeu o acordo dos credores, onde se encontram o Novo Banco, com €34 milhões, e o Crédito Agrícola, com €16 milhões. A insolvência foi a solução. O administrador judicial, Bruno da Costa Pereira, acreditava na empresa. E em 2019 surgiu um comprador: a Rudi & Mittelbrunn, que juntava um empresário belga e outro espanhol. As propostas de perdões que variavam entre 25% e 65% não convenceram os credores, incluindo o Novo Banco. Não havia garantias bancárias suficientes.

O banco herdeiro do BES, detido em 25% pelo Fundo de Resolução, preparava-se para vender o crédito sobre a empresa no âmbito da maior venda de malparado de sempre no país, mas optou por tirá-lo do pacote, já que havia gestoras de private equity interessadas. Acabou por vender a companhia à Core Capital, através da Core Equity, que junta Nuno Fernandes Thomaz e Martim Avillez Figueiredo, entre outros.

Segundo o “Negócios”, esta aquisição implica um perdão de 70% por parte dos bancos. O Novo Banco perderá €24 milhões e o grupo Crédito Agrícola €11 milhões.

Grupo Sporting

Os VMOC deram perdas

O Novo Banco e o Banco Comercial Português (BCP) aceitaram alterar os contratos de financiamento assinados com o grupo Sporting. Em 2014 foi assinado o acordo de reestruturação financeira e quatro anos depois avançou-se para a renegociação de alguns dos pontos do acordo, nomeadamente em relação aos chamados VMOC — valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis —, que, sendo executados, poderiam retirar ao clube de Alvalade o controlo da sua sociedade anónima desportiva, passando-a para as mãos dos dois bancos.

Os VMOC foram subscritos a €1 cada, entre 2011 e 2014, mas o acordo com os bancos, fechado em outubro deste ano, passou o seu valor para €0,30. Subscritas num total de €135 milhões, valem agora €40,5 milhões. E é esse o dinheiro que os bancos poderão recuperar. Apesar de aceitarem o perdão, eles conseguiram que o clube deixasse de estar em incumprimento, deixando de ter obrigações por saldar.

João Pereira Coutinho

Carros esfumam dívidas

O império de João Pereira Coutinho ruiu e, por €1, a SAG — Soluções Automóvel Globais vendeu a SIVA, que comercializa os automóveis da Vokswagen em Portugal. Foi comprada pela Porsche Holding Salzburg, subsidiária do grupo alemão, numa operação que envolveu dois PER: um da SAG e outro da SIVA. E aí os bancos foram visados.

De acordo com os números tornados públicos em maio, os planos preveem um perdão da dívida bancária de, pelo menos, €116 milhões. A SAG, que fica sem a sua principal subsidiária, determina a extinção de uma dívida de €16 milhões (o perdão do BCP é de €10 milhões, o Novo Banco assume uma perda de €5,3 milhões e o BPI de €466 mil), sendo que terá até 2029 para reembolsar os restantes €57 milhões.

No caso do acordo de recuperação da SIVA, as perdas são mais elevadas para as entidades bancárias. O perdão mínimo é de €100 milhões, mas até pode subir se a situação patrimonial da empresa, à data de fecho da transação, fosse negativa. O PER foi subscrito pelo Novo Banco, BCP, CGD e BPI, a quem a SIVA devia €147 milhões (principalmente aos dois primeiros), 58% de todos os créditos reconhecidos perante a empresa.

Os PER visavam “assegurar a sustentabilidade e continuidade do negócio automóvel” da organização, tendo avançado em paralelo ao compromisso de apoio financeiro por parte do universo Volkswagen.

Global Media

Desconto nas notícias

O BCP e o Novo Banco chegaram a acordo para alienar as posições de 10,5% na Global Media aos seus dois maiores acionistas, Kevin Ho e José Soeiro. E, segundo avançou a administração numa carta aos trabalhadores, os bancos também venderam os seus créditos, passando a ter uma exposição residual perante a empresa que detém o “Diário de Notícias”, o “Jornal de Notícias” e a TSF. Os bancos deixam de estar num sector que tem protagonizado perdas e onde ficaram como acionistas por incumprimentos anteriores.

O jornal “Eco” adiantou que as entidades bancárias assumiram um desconto de até 85% face ao valor dos financiamentos. Não há montantes. Aliás, a Global Media pediu confidencialidade à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), para não divulgar publicamente nem o ativo nem o passivo.

As perdas das instituições não se ficam por aqui, já que a Controlinveste (de Joaquim Oliveira), que é sua acionista, está em insolvência. O BCP tem créditos a recuperar de €406 milhões e o Novo Banco de €152 milhões (crédito que o banco colocou à venda na carteira designada Nata 2, adquirida pelo fundo Davidson Kempner).

Orey Antunes

Mais a caminho?

É o mais recente caso de um grupo nacional em dificuldades que precisa da banca para sobreviver. Depois de abandonar a área financeira, a Sociedade Comercial Orey Antunes entrou, no final de novembro, com um PER. A holding admite que tem um “desequilíbrio financeiro de curto prazo de cerca de €12 milhões”.

No plano, que prevê a entrada de investidores para resolver a crise de liquidez, a Orey assume que irá impor perdas a credores (nos garantidos, o reembolso é equivalente às garantias; nos comuns, o perdão oscilará entre 90% e 95%). O PER, que ainda não foi aceite, obrigará ao reconhecimento de perdas, mas a insolvência, argumenta o grupo, causaria “perdas médias estimadas superiores a 98% do montante total a ser reclamado”. A CGD é o principal credor bancário, com financiamentos de €5 milhões, que estão já vencidos.