Vítor Melícias tem sido um homem ao lado de António Tomás Correia no Montepio. É o presidente da mesa da assembleia-geral da Associação Mutualista Montepio Geral, eleito pelas listas do atual presidente, que sairá de funções no próximo domingo, 15 de dezembro. Melícias faz uma avaliação positiva da liderança de Tomás Correia. E, em entrevista ao Eco, recusa qualquer necessidade de intervenção externa na maior associação mutualista do país. Ainda assim, assume que os associados, pela natureza da mutualista, podem ver as suas aplicações reduzidas.
“Intervenção do Estado? É mera teoria. Isso nunca aconteceu. Nem há-de acontecer. Estas instituições são de natureza associativa, voluntária e solidária”, afirmou o padre ao jornal Eco na entrevista publicada esta sexta-feira, dia 13.
Melícias deixa críticas à comunicação social, depois de notícias que dão conta que o Governo prepara-se para a eventual necessidade de assistência à maior associação mutualista do país, e do estado de alerta dentro do Montepio para travar a fuga de associados. De qualquer modo, o padre admite que quem é associado poderá perder parte da aplicação se o “dinheiro social” emprestado se perder. São cerca de 600 mil os associados da mutualista Montepio, que é dona do Banco Montepio e também de companhias seguradoras, como a Lusitania.
“Quem vai para o monte [de piedade, daí montepio] vai para o monte comum, deixa de ser um capital e passa a ser um fundo social ou um monte social. Aquele dinheiro que está ali não é dinheiro privado, lucrativo, que possa ser trocado, vendido, transferido ou deixado em herança. Também não é dinheiro público. É dinheiro social. E se esse dinheiro social se esgotar, obviamente que todos aqueles que participam… se o dinheiro aumentar a todos aumenta, se ele diminuir a todos diminui [o dinheiro]”, declarou ao Eco.
A entrevista de Vítor Melícias é concedida a dois dias de uma mudança de relevo na instituição. Tomás Correia, presidente da administração desde 2008, abandonará o cargo, depois de um cerco feito pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que autorizou todos os candidatos a exercício de órgãos sociais no Montepio à exceção do líder – antes da resposta final do supervisor, Tomás Correia anunciou a renúncia, menos de um ano depois de reeleito para o cargo.
Compara registo prévio de administradores à PIDE
Vítor Melícias diz ao Eco que discorda da supervisão da mutualista por parte da ASF, hoje em dia liderada por Margarida Corrêa de Aguiar: “Era como se fazia no tempo da PIDE às pessoas que exerciam funções públicas. Se a pessoa não prestasse, não deixavam ser nem comandante de bombeiros nem diretor de uma associação de socorros mútuos”. O registo prévio ocorre nas companhias seguradoras e nos bancos, mas o padre lamenta que a supervisão das mutualistas esteja a ser equiparada a companhias seguradoras, e não continue no Ministério da Solidariedade, como até há um ano.
Em relação às investigações em torno de Tomás Correia – no Ministério Público e uma condenação do Banco de Portugal (anulada em tribunal, mas de que o supervisor recorreu) –, Melícias acredita na sua inocência, e recusa que Tomás Correia seja a única pessoa com poder no Montepio. “Um dos males das organizações é personalizar ou centralizar. Numa administração, são cinco pessoas, cinco votos. Portanto, ou são quatro parvos e um esperto, ou são quatro relativamente espertos e um que é mais esperto que os outros”.
Tomás Correia será substituído na liderança por Virgílio Lima, até aqui administrador. Melícias não sabe quais os seus planos. Mas tem uma noção do que será preciso: “Julgo que uma das coisas que Tomás Correia acabou por não fazer por causa de todas as perturbações foi mutualizar ainda mais a associação mutualista. Valorizar mais o aspeto associação do que o aspeto das tarefas bancárias, seguradoras, etc. Dar mais capacidade à associação mutualista de atuar como associação de economia social”.
Lucro de 2019 será 22 vezes mais baixo
Uma herança de Tomás Correia é votada a um dia do final de 2019. Numa associação em que a participação dos membros é sempre reduzida, foi para 30 de dezembro que foi agendada assembleia-geral em que os associados devem “deliberar sobre o programa de ação e orçamento para o ano de 2020 e parecer do conselho fiscal”. Uma marcação assinada por Vítor Melícias.
Segundo esse plano para 2020, o Montepio deverá ter lucros de apenas 2 milhões de euros este ano, segundo a estimativa agora fechada – que só será confirmada no início do ano.
O plano de ação que estava em vigor previa um resultado líquido de 44 milhões de euros. Já no final do próximo ano, o novo orçamento prevê um lucro de 5,3 milhões.
Será a rubrica fiscal a ajudar os resultados do Montepio. Antes de impostos, a associação continuará a apresentar resultados negativos: 8 milhões este ano, 3,8 milhões em 2020.