Economia

Bancos cobram comissões específicas para bancos, mas não para empresas públicas. Particulares estão a salvo. Mas porquê?

É proibido cobrar juros negativos nos depósitos aplicados em Portugal. Os bancos viraram-se para as comissões de alguns clientes para compensar. Só que o Banco de Portugal veio colocar travões a parte desta iniciativa

Carlos Costa, governador do Banco de Portugal
José Carlos Carvalho

Onde começa esta história?

O Banco Central Europeu continua a determinar taxas de juro negativas pela Zona Euro, e assim deverá continuar até 2024, o que está a criar um ambiente difícil para a atividade bancária. A taxa de juro diretora está em zero, e a taxa paga para depositar em Frankfurt é de -0,5%, ou seja, os bancos que ali querem colocar o excesso de dinheiro têm de pagar.

Com taxas assim, as instituições financeiras têm dificuldade em realizar negócio no crédito (não podem pedir juros elevados aos clientes), e também estão limitados nos juros nos depósitos cobrados (aplicar juros negativos nos depósitos é obrigar os clientes a pagarem para ter o seu dinheiro guardado no banco). Mesmo assim, há países que estão já a cobrar juros negativos – é o caso da Alemanha.

Só que, em Portugal, o sector bancário enfrenta um problema: a legislação nacional proíbe a cobrança de juros negativos, ou seja, os bancos não podem refletir o custo que têm ao depositar dinheiro no Eurosistema nos seus clientes.

Onde entram as comissões?

Não podendo aplicar juros negativos, os bancos procuraram (e procuram) alternativas. Uma delas, e especificamente em Portugal, foi a cobrança adicional de comissões, nomeadamente aquelas que podem corresponder a juros negativos – que estão, como referido, proibidos de aplicar.

Uma das soluções foi a criação de uma comissão aos depósitos de clientes institucionais como bancos, seguradoras ou fundos de investimento e de pensões. Pelo menos três bancos já a cobram. BPI, BCP e CGD são aqueles em que o dinheiro colocado por este tipo de clientes institucionais financeiros já está associado a uma comissão de manutenção.

Mas a banca queria mais. Daí que as instituições financeiras, até através da própria Associação Portuguesa de Bancos (APB), tenham questionado o supervisor se seria possível criar um tipo diferenciado de comissionamento para os grandes clientes, como multinacionais ou empresas públicas. O objetivo defendido por Fernando Faria de Oliveira era que a banca portuguesa, por não poder aplicar os juros negativos, não ficasse em pé de desigualdade face aos concorrentes europeus que podem refletir esses juros.

Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB)
TIAGO PETINGA/LUSA

Mas não houve bancos a assegurar que não iam cobrar a multinacionais?

A banca quis ter a certeza de que tipo de comissionamento diferenciado podia fazer. O BPI assumiu diretamente que queria cobrar uma comissão pelos depósitos a grandes empresas multinacionais e institucionais.

Apesar disso, o BCP veio depois dizer que não tinha intenção de fazer essa cobrança alargada - já cobrava a institucionais financeiros, não queria ir a empresas públicas.

A Caixa Geral de Depósitos, que cobra a bancos e instituições financeiras, também assegurou que a cobrança a institucionais financeiros, o que excluía empresas públicas e multinacionais, é o único cenário em cima da mesa neste momento. No entanto, o seu presidente, Paulo Macedo, tinha deixado a porta aberta para o caso de vir a sofrer com uma procura extrema de depósitos de entidades como multinacionais, que estivessem a fugir de outros países onde pagam para depositar. Se tal acontecesse, o banco público iria equacionar essa comissão a multinacionais.

Contudo, é certo, até aqui, ainda não se sabia qual era o entendimento do Banco de Portugal sobre esta intenção.

Mas qual a novidade, agora?

Ora, a resposta do Banco de Portugal às dúvidas dos bancos chegou. Não veio verdadeiramente uma posição assumida pelo supervisor, mas uma resposta jurídica que, à partida, lhes veda essa possibilidade.

O entendimento da autoridade encabeçada por Carlos Costa resume-se a uma remissão para a carta circular n.º 24/2014/DSC. O diploma indica que, embora se reconheça a “legitimidade da cobrança de uma comissão de manutenção”, como contrapartida do serviço, não se reconhece, “como adequada, a prática comercial de fazer variar o montante da comissão em função de saldos médios em contas de depósito à ordem”.

Quer isto dizer que a comissão de manutenção não pode oscilar consoante o valor que é depositado. E era precisamente isso que os bancos pretendiam: que os depósitos de maior dimensão – de multinacionais e empresas estatais – pagassem uma comissão que não seria aplicada a clientes particulares ou a pequenas e médias empresas.

Então, como é que a banca já cobra a bancos e seguradoras?

No entanto, esta carta circular não se aplica a todo o tipo de clientes, e é por isso que os bancos já cobram a outros bancos, seguradoras e fundos, e é isso que o supervisor refere quando questionado sobre esse possível alargamento além destes.

“O Banco de Portugal reafirmou o entendimento de que a Carta Circular n.º 24/2014/DSC não se aplica às contas tituladas por clientes institucionais de natureza financeira. As instituições de crédito podem fazer variar o montante da comissão de manutenção de contas tituladas por clientes institucionais de natureza financeira em função dos respetivos saldos médios”, foi a resposta dada pelo supervisor. A variação não pode é acontecer em todos os outros clientes.

E os particulares?

Nessa impossibilidade de variação de comissões estão, por isso, também, os clientes particulares. Apesar disso, desde que este tema passou para a praça pública, os bancos têm assegurado que esta sua atuação não pretende afetar os clientes particulares (o cliente normal), nem as pequenas e médias empresas.

Ou seja, não há forma de cobrar os juros negativos a estes clientes e também não há intenção de cobrar as comissões de manutenção aos seus depósitos. Não afetando os particulares, também não pode afetar os outros, já que, como referido, não pode haver variação da cobrança consoante o saldo.

Mas isso quer dizer que não pode haver mais comissões?

Não. Esta posição do supervisor é apenas relativa à variação das comissões nos depósitos consoante o saldo aí existente: não pode haver uma discriminação do tipo de cliente a que se aplica aquela carta circular (que só não se aplica aos tais institucionais financeiros).

Contudo, a banca pode, como aliás tem feito, procurar alternativas para cobrar comissões aos seus clientes pelos serviços que lhes presta. É aí que se inserem as comissões para transferências no MB Way, por exemplo, mas também em todos os serviços que os bancos prestam (a exceção é a cobrança, igualmente proibida por lei, nos levantamentos em caixas automáticas).

E qual o entendimento político?

Antes de ser conhecida a posição do supervisor sobre esta cobrança específica a grandes clientes, o Parlamento solicitou audições ao representante da banca e ao próprio Banco de Portugal. Tanto o PS como o PCP fizeram requerimentos que se irão cumprir esta semana na comissão de Orçamento e Finanças.

Na sexta-feira, 13, Faria de Oliveira, líder da APB, será ouvido pelas 9h, sendo que duas horas depois será a vez de o vice-governador do Banco de Portugal, Luís Máximo dos Santos, se explicar aos deputados sobre o assunto.