Economia

Quase trinta anos depois, Caixa Geral de Depósitos deixa de ter banco em Espanha

Depois de centenas de milhões de euros perdidos, a CGD viu-se obrigada por Bruxelas a sair de Madrid. A Caixa vende banco em Espanha, mas diz estar “fortemente empenhada” no mercado ibérico. Para isso, fecha um acordo comercial com o Abanca

RODRIGO ANTUNES/Lusa

A Caixa Geral de Depósitos já não tem um banco em Espanha. A alienação do Banco Caixa Geral foi fechada esta segunda-feira, 14 de outubro, com a ida de Paulo Macedo ao país vizinho. O banco deixa de estar presente com uma instituição autónoma depois de 28 anos em que esta presença nem sempre foi fácil, nem lucrativa – pelo contrário. Ainda assim, o banco diz que continuará a apoiar as empresas portuguesas naquele mercado com o acordo de cooperação com o Abanca, o comprador do seu banco.

A formalização da venda de 99,79% do espanhol Banco Caixa Geral ao Abanca, por 384 milhões de euros, foi feita esta segunda-feira, segundo comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). A cerimónia contou com Paulo Macedo, numa altura em que está sob pressão pela subida das comissões bancárias que irão ocorrer no próximo ano. A operação levou a uma revisão em alta dos resultados do primeiro semestre e contribui também para a melhoria dos rácios de capital (o mais exigente, o CET1, sente um impacto de 110 pontos base).

Cooperação comercial para manter presença

Ao mesmo tempo que vendeu o banco espanhol, a CGD também formalizou um “acordo de cooperação comercial” com o banco dirigido por Juan Carlos Escotet – que, em Portugal, adquiriu a rede comercial do Deutsche Bank.

O banco português, que tem uma sucursal em Espanha (mas que não é uma entidade autónoma nem tem balcões), vai colaborar com o Abanca “em várias áreas de negócio, nos segmentos de empresas e de particulares com atividade no mercado Ibérico e nos mercados internacionais onde os dois grupos bancários detêm presenças diretas”.

Para já, o acordo permitirá uma transição suave dos clientes de um banco para o outro, mas a CGD defende que ele servirá de base ao apoio a operações que envolvam Espanha – “continuará fortemente empenhada no apoio às empresas portuguesas com atividade no mercado ibérico”. Com representação comercial no país, o banco diz que continuará com “produtos e serviços de apoio à internacionalização, abrangendo, nomeadamente, transferências, créditos documentários e remessas, gestão de cobranças e pagamentos, e apoio à tesouraria e ao investimento, bem como serviços de banca de investimento”.

Na verdade, a “continuidade do relacionamento e cooperação comercial com a CGD e os seus clientes” era um dos critérios para a escolha dos compradores do Banco Caixa Geral e também do sul-africano Mercantile Bank, a par do preço, entre outros.

Trinta anos de dificuldades

A Caixa deixa, assim, de ter um banco autónomo num mercado para onde entrou em 1991. O Banco Caixa Geral resulta da aquisição e posterior integração de três bancos: o Banco Simeón, o Banco de Extremadura e o Banco Luso Español (inicialmente Chase Manhattan Bank España).

A presença geográfica dos três bancos era marcada por uma dispersão regional, o que dificultou a complementaridade entre todas as instituições financeiras que o constituíam. Houve intenção de fazer mais aquisições, para o ganho de escala, mas a opção acabou por ser o crescimento órgânico. No final do ano passado, o Banco Caixa Geral tinha 110 agências, empregando 536 funcionários.

A investida em Espanha foi marcada por dificuldades, e a revista Sábado chegou a estimar as perdas em torno de 2 mil milhões de euros. Número difícil de estimar, já que o banco foi alvo de uma reestruturação, em que foi necessário fazer uma limpeza à custa da sucursal espanhola (que consolida diretamente nas contas da CGD).

A banca de investimento é apontada pelos antigos responsáveis da Caixa como a principal responsável pelas perdas registadas nesta operação. Foi na área internacional que estiveram antigos administradores do banco como Carlos Costa, atual governador, e Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB).

Perdas validadas em comissão de inquérito

A segunda comissão de inquérito concluiu que foram pesadas as perdas vindas do país vizinho: “A ‘operação Espanha’ custou à CGD mais de 582 milhões de euros em prejuízos para além dos valores despendidos em aumentos de capital do BCG [427 milhões] tendo contribuído de forma relevante para os aumentos de capital que o acionista Estado teve de efetuar na CGD em Portugal e que justificaram os trabalhos desta comissão parlamentar de inquérito”.

“Para além dos prejuízos diretos pode também considerar-se o imensurável custo de oportunidade, dado que a CGD poderia ter aplicado esses recursos noutras áreas mais seguras e alinhadas com a estratégia inicialmente delineada para a presença em Espanha, nomeadamente os apoios a pequenas e médias empresas portuguesas a operar no país vizinho”, continuava o relatório final da iniciativa parlamentar.

Sendo um mercado de reduzida rentabilidade para o banco em Portugal, Espanha é um daqueles de que a CGD tem de sair no seio do plano estratégico desenhado pelo Estado e pela Comissão Europeia, devido à ajuda estatal recebida em 2017. África do Sul e Brasil são geografias de que está a sair, sendo que o banco está a reduzir a presença em Cabo Verde.