Os sócios da KPMG que eram auditores do Banco Espírito Santo vão deixar de exercer essa profissão - ainda que continuando noutras funções na empresa. A decisão foi tomada pelos próprios, mas no “contexto de uma ação da CMVM” que avaliava a sua idoneidade, segundo confirma a própria auditora e a supervisora. Além disso, é público que a CMVM avançou com uma acusação neste processo diretamente à auditora, que aguarda uma decisão final, de condenação ou arquivamento. Além disso, os três auditores tinham sido condenados pelo Banco de Portugal também pela auditoria ao BES - e vão contestar essa decisão em tribunal.
“No contexto de uma ação da CMVM, no âmbito dos seus poderes de supervisão de auditores, relativa à idoneidade enquanto condição de manutenção do registo na CMVM dos Revisores Oficiais de Contas, informa-se que Inês Viegas, Sílvia Gomes e Fernando Antunes, sócios da KPMG & Associados – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A. (“KPMG”) solicitaram o cancelamento dos respetivos registos para o exercício de funções de auditoria junto da CMVM”, indica um comunicado emitido pela entidade liderada por Gabriela Figueiredo Dias.
Os três nomes, que eram os responsáveis pela auditoria ao BES até 2014, deixam de ser revisores oficiais de contas a partir desta quarta-feira, 28 de agosto. Só poderão voltar a pedir o novo registo dentro de dois anos, sendo que, nessa data, terá de haver uma avaliação por parte da CMVM.
“É do domínio público que a KPMG e os seus referidos sócios estão envolvidos em processos em curso relacionados com os trabalhos de auditoria ao Grupo Banco Espírito Santo, neles se incluindo ações conduzidas pela CMVM no âmbito dos seus poderes de supervisão dos auditores”, diz, por sua vez o comunicado da auditora. “Procurando salvaguardar os interesses da KPMG, os seus próprios interesses e, acima de tudo, os interesses dos seus clientes, os referidos sócios tomaram a decisão de deixar de exercer as funções de auditoria que, com brio, competência e dedicação, desempenharam durante mais de 25 anos”, continua essa nota.
Processos da CMVM e do BdP
Esta decisão da CMVM prende-se com a ação de supervisão relativa à idoneidade dos três sócios. Além disso, com a Lei n.º 148/2015, a CMVM ficou com os poderes de “instruir e decidir processos de contraordenação, incluindo aplicar sanções de carácter contraordenacional”, relativos aos revisores oficiais de contas. E há um processo da CMVM contra a KPMG.
O Jornal de Negócios noticiou, em julho, que tinha avançado com uma acusação contra a auditora em Portugal, uma espécie de pré-decisão, que pode depois terminar em condenação ou arquivamento. Tudo por conta da auditoria feita ao BES no período antes da intervenção determinada pelo Banco de Portugal, que ocorreu em 2014. Sobre este processo, nada é referido na nota, pelo que ainda não há uma conclusão. Antes dela, veio este pedido de cancelamento dos registos.
A KPMG era a auditora do BES sendo que a empresa do grupo KMPG Angola era a responsável por certificar as contas do BES Angola, detido maioritariamente pelo banco português. A exposição do BES ao BES Angola foi um dos motivos apontados pelo Banco de Portugal para a sua resolução.
Sikander não é ROC, Sílvia Gomes continua como gestora
Além do processo da CMVM, a KPMG foi já condenada pelo Banco de Portugal devido à auditoria sobre o BES. A decisão final foi de aplicação de uma coima de 3 milhões de euros, sendo que os sócios da auditora sofreram também uma sanção pecuniária. O presidente, Sikander Sattar, foi alvo de uma coima de 450 mil euros, sendo que também Inês Viegas, Sílvia Gomes, Inês Filipe e Fernando Antunes foram visados.
Destes cinco nomes, apenas Inês Filipe e Sikander Sattar não fizeram este pedido junto da CMVM. A primeira é a atual responsável pela KPMG Angola, fora do país. Sattar, que liderava a entidade na altura e continua em funções, já não está registado como revisor oficial de contas.
Os três sócios da KPMG que deixam de ser auditores vão continuar na empresa, mudando apenas de funções e deixando de ser revisores oficiais de contas. Sílvia Gomes, por exemplo, continuará na comissão executiva.
Decisão antes do tribunal
Em relação ao Banco de Portugal, o processo de contraordenação não visa a qualidade do trabalho de auditoria, como no caso da investigação da CMVM. São duas as matérias em que o Banco de Portugal pode atuar: quando são prestadas informações falsas ou incompletas ou quando os auditores deveriam ter colocado reservas e comunicar o facto ao supervisor. E, aí, o supervisor liderado por Carlos Costa considerou que a KPMG falhou nos dois casos.
O processo do Banco de Portugal foi alvo de contestação pelos visados. Neste momento, aguarda-se o início do julgamento no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém. Ou seja, saiu da esfera de autoridades administrativas para a judicial. A decisão dos três sócios é tomada antes de se iniciarem as sessões.
(Notícia atualizada às 18.31 com mais informações)