Economia

Antram+Fectrans. O que sabemos e não sabemos sobre o "acordo" que o Governo celebrou

Ao terceiro dia de greve, o sindicato da CCTG conseguiu mais garantias das empresas de transportes - com o patrocínio do Governo. Há muitos pontos por fechar e outros por conhecer. Isto é o que já se sabe

JOÃO RELVAS

A Antram e a Fectrans, o sindicato ligado à CGTP que se manteve dentro das negociações e fora da greve, avançaram com um novo acordo para a revisão da convenção coletiva de trabalho. As declarações à imprensa, ao fim do terceiro dia de greve dos outros sindicatos, deu pistas sobre o resultado desta nova fase das negociações, que ainda não é final. Mas também deixou espaços em branco. Entretanto, a Fectrans também já acrescentou algumas novidadades. Eis o que se sabe, o que não se sabe e o que ficou por resolver.

Salários sobem pelo menos 120 euros

É, claro, um dos principais pontos sobre a mesa desde a greve de abril. Ontem, a Fectrans garantiu ter o acordo dos patrões para que, em 2020, os salários dos motoristas subam "no mínimo" 120 euros ao mês. A acrescer a esta rubrica está o prémio de 125 euros de subsidio de operações, que ficou definido no acordo de maio. Os trabalhadores que estiveram de fora desse protocolo negocial terão aumentos de 4 a 6% também.

Já a Antram avançou outro dado, para aplicar a partir de 2021: se houver um aumento do salário mínimo nacional de 100 euros nos próximos três anos, os aumentos para os motoristas subirão "pelo menos" 350 euros. Ou seja, haverá um aumento indexado (e bem superior) ao do salário mínimo, mas cuja fórmula ainda não foi revelada.

O valor acordado para 2020 foi imediatamente classificado por Pardal Henriques, do sindicato dos motoristas de transportes perigosos, como muito abaixo do que teria ficado estabelecido no acordo de maio, "um aumento de 300 euros". Porém, não foi isso que ficou no protocolo de então: mais €70 do que o salário-base atual, mais um subsídio de operações de €125 (aplicado apenas aos motoristas de mercadorias perigosas).

O modo vago como foi anunciado o acordo de ontem não permite comparações fiáveis. Mas o sindicato deu indicações adicionais que permitem, pelo menos, perceber, que em algumas condições o acordo ficou acima do que estava estabelecido em maio:

  1. “Um trabalhador motorista de pesados que, por exemplo, transporte combustíveis e trabalhe com camiões cisterna, tem 266 euros de aumento por mês no mínimo. A acrescer a esta rubrica está o prémio de 125 euros de subsidio de operações"
  2. No caso dos trabalhadores de carga geral, o aumento será “no mínimo, de 141,14 euros”.
  3. Se o trabalhador manusear a carga “este salário é acrescido em 55 euros, que é o novo subsídio de operações que foi criado”.
  4. Já no caso do internacional, o aumento “também é um valor superior a mais de 140 euros”, sendo que todas as ajudas de custo foram acrescidas em 4% e os motoristas passam a ganhar por cada viagem, pelo menos, mais uma ajuda de custo diária.

Trabalho extra mais bem pago

A Fectrans confirmou que entre as matérias ontem acordadas inclui-se a polémica "cláusula 61", aquela que no contrato coletivo permitiu às empresas deixarem de pagar remuneração pelo trabalho suplementar, recebendo duas horas de trabalho extra por dia (mesmo que trabalhassem mais do que isso). O problema é que nem todos os sindicatos assinaram este contrato coletivo, nem várias empresas o aplicam nesta cláusula. Esta quinta-feira, a Fectrans explicou que a cláusula 61 foi não só alterada no seu valor (que ainda não é conhecido), como definiu também que o trabalho noturno passa a ser pago à parte.

Segundo o Público, que cita um comunicado divulgado pela Fectrans, do acordo constam ainda “novas regras do pagamento do trabalho nocturno para os trabalhadores do transporte nacional”, a “revisão do conceito de disponibilidade em tripulação múltipla”, uma “melhoria e valorização do valor das ajudas de custo e diuturnidades”, bem como a “alteração do critério de atribuição das ajudas de custo diárias no transporte ibérico e internacional”.

Cargas e descargas vão mudar

Fectrans, Antram e ministro, todos falaram de um acordo relativo às cargas e descargas, mas foi a Antram quem melhor concretizou: os empresários têm falado com várias empresas, nomeadamente da grande distribuição e "áreas específicas da indústria", para que os motoristas "deixem de fazer o que não é sua responsabilidade" - indicando portanto que ficariam estas empresas responsáveis por tratar desses processos. "Passam a ter outras condições", disse o porta-voz da Antram, acrescentando que isto permitirá também que os processos sejam "mais céleres", poupando tempo e dinheiro também às empresas de transporte. Não é claro, ainda, como vai ser concretizado e em que casos, mas está nomeado um grupo de trabalho para o concretizar.

Entretanto, a Fectrans afirmou que nenhum trabalhador vai ser obrigado a fazer cargas e descargas. Acrescentando que foi criado um grupo de trabalho que tem 90 dias para fazer com que esta atividade seja regulamentada, nomeadamente definindo as condições de carga e descargas nos operadores logísticos e portos marítimos.

Fiscalização vai apertar (falta saber como)

No próximo dia 30 de agosto está marcada uma reunião entre a Fectrans e o ministro da Segurança Social para concretizar um outro ponto do protocolo de maio: o reforço da fiscalização pela Autoridade das Condições de Trabalho e Segurança Social das empresas de transporte. Não só dos tempos de trabalho dos trabalhadores (garantindo que nenhum trabalha mais do que o legalmente permitido), como da efetiva fiscalização do cumprimento integral da convenção coletiva.

Camionistas param aos domingos e feriados

Fazia parte do acordo de maio e o Governo concertizou ontem a promessa: no fim deste mês será publicada uma portaria que proíbe a circulação de camiões cisterna aos domingos e feriados, garantindo as empresas. Pelo meio, ficou definida a “regulamentação da atribuição dos descansos compensatórios do trabalho efectuado aos domingos e feriados”, acrescentou já a Fectrans.

Seguros e exames médicos

Segundo a Fectrans, o valor dos seguros de saúde (um dos pontos do acordo de negociação de maio) ainda está em discussão. Mas já é certo, por outro lado, que os exames médicos terão de ser pagos sempre pelas entidades patronais (em maio, o protocolo definiu que teriam que ser realizados todos os anos obrigatoriamente).

E quando fecha o acordo?

Com vários pontos ainda em aberto, o processo segue agora para uma fase de consulta (aos motoristas sindicalizados e às empresas) para que os seus representantes possam dar seguimento ao acordo. Se tiverem carta branca, haverá novas reuniões já em setembro, para conseguir fechar tudo até ao fim do ano. O objetivo é que a revisão do acordo coletivo entre em vigor a 1 de janeiro.

Outros motoristas sem garantias

Havendo acordo, este só se aplica a quem o negociou - vincou na noite de quarta-feira o representante da Antram. Dito de outra forma, os motoristas que estão nos sindicatos que optaram pela greve não terão direito às medidas entretanto acordadas com a Fectrans. A menos que o Governo opte por uma portaria de extensão - o que implica também um pedido formal. Nada indica, para já, que isso aconteça - mas é claro que o acordo serve ao Governo de instrumento para pressionar não só os grevistas a voltar à mesa de negociações, como aos motoristas a repensar o sindicato a que se associam.