Economia

As empresas deviam ser conduzidas como uma orquestra?

Governação: Há um modelo chamado ‘Liderança Sinfónica’ que se baseia na ideia de gerir uma empresa com a mesma fluidez e harmonia com que um maestro gere uma orquestra. É o tema deste ano dos prémios IRGA. Mas não é tanto uma tendência, é mais uma inspiração

O Investor Relations & Governance Awards (IRGAwards), iniciativa promovida pela Deloitte, chega à sua 32ª edição com duas novas categorias de prémios: o Governance Initiative Award (que distingue melhorias no governo societário) e o Transformation Award (que premeia projetos de transformação nos negócios das empresas). Estes juntam-se aos já existentes Market Development Award e Lifetime Achievement Award e aos galardões para os CEO (presidente executivo), CFO (administrador financeiro) e IRO (Investor Relations) que melhor desenvolveram a sua relação com os investidores no ano anterior, neste caso, em 2018. Veja ao lado quais são os nomeados aos prémios individuais
Jose Fernandes

Conhece o ‘Bolero’, de Ravel? A versão tocada por uma orquestra? Consegue ouvi-lo na sua cabeça? Se não, entre no seu serviço de streaming de eleição ou, se tiver, coloque o CD na aparelhagem e oiça-o antes de ler este texto. São 15 a 18 minutos, mais coisa menos coisa. Preste atenção à entrada de cada instrumento, ao momento em que entram e se conjugam com os restantes e, acima de tudo, à harmonia que existe quando todos tocam em conjunto. “É uma das obras que explora melhor os efeitos de cada um dos naipes de instrumentos. É quase um tratado de todo o potencial de uma orquestra”, diz ao Expresso o maestro titular da Orquestra Metropolitana de Lisboa, Pedro Amaral.

É este tipo de harmonia que tem estado em discussão pelos gestores e consultores a nível mundial e que até já tem um nome adaptado ao universo empresarial: Symphonic C-Suite. O que traduzido do inglês para o português, não literalmente, é algo semelhante a ‘Liderança Sinfónica’, ou seja, os líderes gerirem as empresas e as pessoas e procurarem a harmonia no seu negócio tal como um maestro gere e procura essa harmonia numa orquestra. “É uma analogia metafórica que incide sobre a necessidade de haver uma harmonia na empresa tal como existe numa orquestra. A metáfora está ligada à música. Os instrumentos estão agrupados em naipes e cada um deles tem uma função e, num concerto, essa estrutura está em pleno funcionamento e em harmonia. Nenhum instrumento deve ser ouvido fora do baralho. Este é o modelo organizacional que as empresas podem ou devem ambicionar”, explica Pedro Amaral.

Não é, por isso, de estranhar que este seja o tema da edição deste ano dos Prémios Investor Relations & Governance (IRGA), promovido pela Deloitte. Até porque a distinção está focada na relação das empresas com investidores, mas também na forma como os modelos de governação evoluem ao longo dos anos. “A ideia é distinguir boas práticas que possam servir como exemplo e não fazemos juízo sobre as pessoas mas sim sobre o ano em apreciação”, garante ao Expresso o presidente do júri, o economista e gestor, Vítor Bento.

Para a consultora, para o júri do prémio e também para o maestro Pedro Amaral — que foi convidado para debater o tema com alguns dos executivos nomeados — existe um claro paralelismo entre os dois mundos, o da orquestra e o das empresas, principalmente numa economia cada vez mais digital, onde as mudanças são mais constantes e rápidas. “A ideia de sinfonia tem por base fazer uma analogia entre a gestão moderna e uma orquestra, onde a harmonia tem de existir. A transformação da economia pede este tipo de abordagem. Houve fases mais individuais, mas hoje temos uma diversidade muito grande de competências que tocam os mais variados instrumentos e, por isso, é necessário acompanhar os vários andamentos e assegurar uma harmonia”, explica Vítor Bento.

Contudo, descarta que este modelo de gestão seja uma tendência a seguir por todas as empresas portuguesas. “A gestão harmoniosa tende a melhorar a eficiência, mas o estilo de gestão depende do momento em que está a empresa e a economia e da resposta aos desafios. Temos empresas que competem com as estrangeiras, outras mais nacionais e agora temos as startups. Não há um modelo universal, um estilo absoluto ou uma constante. Diria mesmo que o mais constante é a mudança”, diz.

Aprender com uma orquestra
Vítor Bento não crê em modelos únicos, mas não nega que há lições a aprender ao observar e ouvir uma orquestra e o seu maestro. E Pedro Amaral concorda. “O papel do maestro é dar às equipas de instrumentos uma visão clara do caminho a seguir, com a confiança necessária para que os músicos se deixem convencer por essa direção. A palavra confiança é muito importante. Temos de confiar nas equipas, mas é também muito importante que confiem em nós. Se se transmitir confiança e premiar o desempenho o sistema funciona”, nota.

Ora, continua, “um CEO é também um maestro porque tem de confiar nas suas equipas e tem de dar uma direção comum sem ter de dizer a cada uma delas o que têm de fazer”. Ou seja, “uma empresa que adote este modelo sinfónico coloca toda a organização a responder em conjunto. O maestro, e o CEO, dá uma direção e é por ali que a orquestra e a empresa tem de fluir”.

De acordo com o estudo da Deloitte “2018 Global Human Capital Trends” são, precisamente, a confiança e o trabalho em conjunto que estão no cerne da liderança sinfónica. Adotar — ou adaptar — este modelo passa por ter uma comissão executiva menos individualista, que procure trabalhar com os colaboradores, confiando neles e puxando pelas suas capacidades. “Numa orquestra tem de haver um equilíbrio entre a visão do maestro e aquilo que os músicos lhe sugeriram. Por exemplo, se o primeiro trompetista tem um brilho particular, puxo por ele e adapto a visão da peça a essas qualidades. Numa empresa pode acontecer o mesmo”, diz Pedro Amaral. Contudo, “é possível haver orquestras sem maestros ou empresas sem CEO. Uma microempresa pode não precisar mas, por exemplo, um banco sim. Quanto mais complexa a obra — ou a empresa — mais necessário é o maestro e o CEO”, conclui.

Nomeados

Melhor CEO

António Mexia, EDP Tem 62 anos e está à frente da EDP desde 2006. O ano passado destacou-se pela forma como defendeu a empresa durante a OPA da China Three Gorges (CTG), conseguindo valorizar a EDP acima da oferta da CTG.

António Rios de Amorim, Corticeira Amorim Nasceu em 1967, está na Corticeira desde 1996 e chegou a CEO em 2001, sendo um dos principais responsáveis pelo crescimento e reconhecimento da empresa a nível nacional e internacional.

Carlos Gomes da Silva, Galp Energia Tem 52 anos, está na Galp há 11 anos, mas é CEO desde 2015, substituindo Ferreira de Oliveira. Em 2018 fez crescer os resultados, mesmo com o petróleo em queda, tornando, pela primeira vez, a Galp mais lucrativa que a EDP. Foi o vencedor da edição anterior, referente ao desempenho tido em 2017.

Miguel Maya, BCP Tem 55 anos e está no BCP há 23 anos. Chegou à administração em 2009 e subiu a CEO em 2018, o ano em análise neste prémio. Diz ter como grande objetivo a mobilização dos trabalhadores e aposta nos serviços móveis do banco.

Pedro Soares dos Santos, Jerónimo Martins Nasceu em 1960 e está na dona do Pingo Doce desde 1983. Passou por várias áreas, chegando a CEO em 2013. Em 2018 ajudou a empresa a registar recordes de vendas em todas as marcas do grupo e a aumentar a quota de mercado em todos os países onde está presente.

Melhor CFO

Cristina Rios de Amorim, Corticeira Amorim Está no grupo há 16 anos, onde entrou como administradora financeira, numa altura em que a empresa estava a começar a recuperar já sob a liderança de António Rios de Amorim.

Filipe Crisóstomo Silva, Galp Veio do Deutsche Bank para a Galp em 2012 para assumir o cargo de CFO. Tem tido o papel de controlar a dívida da empresa num período de grande investimento e de instabilidade dos preços do petróleo.

João Manso Neto, EDP Renováveis Tem 61 anos, entrou na EDP em 2003 e em 2006 chega à comissão executiva do grupo. Nesse mesmo ano é nomeado CEO da EDP Renováveis, cargo que ainda hoje ocupa e que, desde 2018, acumula com o de CFO, o que justifica esta nomeação.

Miguel Bragança, BCP Tem 53 anos e entrou para o BCP em 2012 para o cargo de CFO. O ano passado teve um papel relevante na redução do crédito malparado do banco que, disse, excedeu os objetivos acordados com o Banco Central Europeu (BCE).

Miguel Stilwell d’Andrade, EDP Tem 43 anos e está na EDP desde 2000. Em 2012 entrou para a administração, destacando-se desde logo por ser o elemento mais novo da comissão executiva. O ano passado assumiu o cargo da CFO, substituindo Nuno Alves.

Melhor IRO

Ana Negrais de Matos, Corticeira Amorim É IRO da Corticeira desde 2017, ano em que ingressou na empresa. Antes disso passou pelo BPI e pela Morgan Stanley, em Madrid, Espanha.

Cláudia Falcão, Jerónimo Martins Desempenha o cargo há vários anos, tendo ganho este mesmo galardão na 30ª edição, referente ao desempenho tido em 2016.

Miguel Viana, EDP Passou por vários bancos até entrar na EDP em 2006. Já foi nomeado várias vezes.

Rui Coimbra, BCP Entrou para o BCP em 2002 como diretor geral, passando por vários cargos. É IRO do banco desde outubro de 2011.

Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de julho de 2019