“Na ADSE existem desigualdades de tratamento dos beneficiários nos internamentos, herdadas do passado”, sustenta Eugénio Rosa, membro do Conselho Diretivo da ADSE eleito pelos representantes dos beneficiários. O economista põe, assim, o dedo numa ferida aberta e que recentemente tem gerado polémica, com casos de beneficiários idosos em situação de internamento prolongado em unidades hospitalares privadas, e os seus familiares, a serem contactos para encontrarem alternativas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, do Serviço Nacional de Saúde.
O problema é, aliás, mencionado num relatório recente sobre a sustentabilidade do subsistema de saúde dos funcionários públicos, feito por uma comissão designada pelo Conselho Geral e de Supervisão da ADSE, em que uma das medidas necessárias para conter a despesa e a garantir a continuidade deste organismo é a “resolução rápida da situação anómala de beneficiários no internamentos médico-cirúrgico há vários anos, que necessitam é de cuidados continuados, situação geradora, por um lado, de graves desigualdades de tratamento dos beneficiários e, por outro lado, de elevados custos para a ADSE (em média 6000 euros, por mês e por beneficiário)”.
De acordo com Eugénio Rosa, que acaba de divulgar um estudo sobre esta situação específica, “os beneficiários familiares daqueles que fizeram declarações aos media tiveram durante muito tempo apoios que a generalidade dos beneficiários não têm, pois não estão previstos nas tabelas e regras da ADSE já que estas não contemplam o pagamento de cuidados continuados como eram os casos relatados pelos media”.
Abusos no regime livre e no regime convencionado
O representante dos beneficiários na estrutura diretiva da ADSE sustenta que há abuso das normas previstas no regime livre, bem como do regime convencionado.
No caso do regime livre, Eugénio Rosa esclarece que “a ADSE pode pagar até 121 euros pela diária de internamento em ‘Clínicas Médico-Cirúrgicas’, mais 99,76 euros, também por dia, de ‘Produtos medicamentosos-material de penso e Antissépticos’ , o que somados dão 220,76 euros por dia, ou seja 6.622,8 euros por mês”. Porém, “estes internamentos destinam-se a beneficiários que fizeram cirurgias ou que tiveram qualquer doença grave (aguda como se diz, como é a pneumonia) e que precisam de um período de recuperação (convalescença), portanto períodos que normalmente não ultrapassam os 30 dias”.
O problema é que, denuncia a economista, “após estes beneficiários terem ultrapassado a fase aguda, e precisarem depois de cuidados continuados, a ADSE continua a pagar como eles estivessem a precisar de tratamento numa clínica médico-cirúrgica”. E garante que “há beneficiários que estão há vários anos nesta situação (em 2018, existiam 89 beneficiários com mais de 300 dias de internamento só neste ano), gozando de um apoio da ADSE que não tem a generalidade dos beneficiários”.
Eugénio Rosa aponta também o dedo aos prestadores privados, “alguns são grandes grupos de saúde”, que “estão interessados em manter esta situação, pois é uma fonte importante de rendimento para eles e, por isso, arranjam justificações manipulam os beneficiários, nomeadamente os familiares”.
No que respeita à tabela convencionada, o economista explica que as regras são igualmente contornadas. Neste caso, a diária de internamento com cirurgia é comparticipa em 79,81 euros, ou seja, 2.394,3 euros por mês, a diária de internamento sem cirurgia é paga pela ADSE a 67,34 euros, o que equivale a 2.029 euros por mês. Também aqui o apoio da ADSE restringe-se a internamentos de “curta duração destinado a permitir a recuperação (convalescença) dos beneficiários que tenham sido submetidos a operações cirúrgicas ou tenham tido doenças agudas. É um internamento que, em média, dura 30 dias, e só em casos excecionais, e com parecer do Departamento de Assessoria Clínica da ADSE, é que a ADSE poderá permitir que seja ultrapassado”. Porém, Eugénio Rosa, garante que se multiplicam os casos de internamentos de curta duração transformados em longas estadias.
“O pagamento de cuidados prolongados e continuados é obrigação do Estado e não da ADSE”, frisa o economista.
Custos superam um milhão de euros em 2018
Segundo as suas contas, em 2018, houve 105 beneficiários que tiveram mais de 91 dias de internamento (27 dos quais estiveram internados mais de 200 dias), ao abrigo do regime convencionado, o que custou à ADSE mais de “um milhão de euros com estes internamentos” – os cálculos têm em conta um encargo médio de 59 euros, por dia, ou seja, 1.770 euros por mês. “Muitos destes casos configuram já cuidados prolongados ou continuados”, sustenta.
Eugénio Rosa defende que esta situação de “desigualdade” acabe e aponta ainda que deste cenário devem ser excluídos os custos que a ADSE tem com lares e apoio domiciliário, que, por contraste, “são muito baixos” e abrangem um leque limitado de beneficiários.
“O apoio domiciliário varia entre 2,5 euros e 5,99 euros por dia, portanto no máximo 284,4 euros por mês, e apoio para lares varia entre 6,98 euros e 9,48 euros por dia, portanto no máximo 284,4 euros por mês. No caso do apoio domiciliário, para ter direito, além de autonomia reduzida, elevada dependência e reduzida mobilidade (por exemplo, estar acamado) é necessário que 60% do rendimento do beneficiário não seja superior a 840 euros por mês. E no caso do apoio para a lares, não pode ter autonomia e 80% do seu rendimento não pode ser superior a 960 euros”, refere o economista, ilustrando “a disparidade dos apoios dados pela ADSE nos cuidados prolongados ou continuados”.