É um decreto-lei que vai clarificar um decreto-lei que era “muito claro”. É assim que se pode resumir as voltas em torno da avaliação à idoneidade de António Tomás Correia, o presidente do Montepio.
Foi num decreto-lei, que agora precisa ainda de ser promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa, que o Governo aprovou alterações à supervisão das maiores associações mutualistas do país. Uma decisão tomada devido à ausência de entendimento sobre quem tem poderes para avaliar a idoneidade do presidente de uma delas, António Tomás Correia, que foi condenado pelo Banco de Portugal num processo de contraordenação.
Como antecipado, a reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira, 14 de março, aprovou um decreto-lei que “clarifica o regime transitório” aplicável às associações mutualistas, no âmbito do Código das Associações Mutualistas, que é também ele um decreto-lei (59/2018).
“O diploma vem explicitar os poderes e as competências da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões para apreciar a qualificação profissional, a idoneidade (…) e eventuais impedimentos [dos órgãos sociais] das associações mutualistas sujeitas ao período transitório”, revelou o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes, na conferência de imprensa que se seguiu à reunião entre os ministros. Em causa está o Montepio Geral - Associação Mutualista e o Montepio Nacional de Farmácias.
Mais especificamente, "perante algumas dúvidas sobre o atual quadro jurídico por parte dos agentes do setor, o diploma agora aprovado procede à interpretação autêntica de alguns pontos daquela legislação", indica o comunicado do Conselho de Ministros.
Como decreto-lei, que é o diploma aprovado pelo Governo no âmbito das suas competências, esta decisão tem agora de ser aprovada pelo Presidente da República - que já se tinha envolvido no tema, quando quis perceber o que estava a causar o diferendo entre o supervisor dos seguros e o Governo.
António Costa tinha anunciado que iria ser feita uma “nota interpretativa” para deixar claro que não era do Governo, mas da ASF, o papel de analisar as condições para o exercício de funções dos administradores das mutualistas.
Que Código é este. E a lei?
O anterior Código das Associações Mutualistas, que datava de 1990, esteve durante o Governo anterior para ser revisto, mas tal só ocorreu em 2018. Entrou em vigor a nova versão em setembro passado, e, em dezembro, ficou estabelecido que a supervisão financeira, assegurada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), seria aplicada ao Montepio Geral e ao Montepio Nacional de Farmácias.
Só que o Código dispõe de um período transitório de 12 anos até que todas as regras de supervisão exigidas às seguradoras sejam requeridas às duas mutualistas. Até lá, há poderes transitórios, mas não totais, e a ASF diz que, aí, não consta a possibilidade de vir a reavaliar a idoneidade de quem está à frente das mutualistas. O Governo, por sua vez, diz que “é claro” que cabe.
Mas há outra lei que também tem implicações. Este ano, o Parlamento aprovou alterações ao regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora, em que indicou que só ao fim de 12 anos é que as normas integrais se aplicavam àquelas duas associações mutualistas.
Estas questões têm levado a uma atribuição de responsabilidades à avaliação da idoneidade das mutualistas entre Governo e ASF. O primeiro garante que a lei é clara, mas o Banco de Portugal, antes mesmo de esta ser publicada, já tinha alertado para a sua indefinição no que diz respeito a este tema, como noticiou o Observador. E a ASF diz o contrário - que o Código não permite a avaliação da idoneidade a Tomás Correia e que, se avançasse para um passo desse género, seria contestável.
Aliás, na terça-feira, no mesmo dia em que José Almaça esteve no Parlamento a rejeitar qualquer possibilidade de, à luz da legislação atual, proceder a uma reavaliação da idoneidade de Tomás Correia, o gestor da maior associação mutualista do país indicava aos conselheiros do Montepio (onde estão presentes tendências da sua oposição mas que é controlado pela maioria eleita na sua lista) que iria permanecer em funções.
Com a nova alteração, o papel da supervisão do Montepio, e da possível reavaliação da idoneidade de Tomás Correia, recairá sobre a nova composição da administração. O Governo aguarda que o Parlamento realize as audições obrigatórias a Margarida Corrêa de Aguiar e Manuel Caldeira Cabral para que possam vir a ser designados como presidente e vogal da ASF.