O relatório preliminar da EY sobre os atos de gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no período de 2000 a 2015 elencou um conjunto de 46 créditos considerados de risco médio a elevado para o banco estatal, que ao longo dos anos foram levando a Caixa a registar nas suas contas diferentes níveis de imparidades. Algumas dessas operações tiveram beneficiários comuns e entre eles encontram-se alguns grupos económicos familiares conhecidos.
O Expresso analisou os dados do relatório, identificando os beneficiários referidos no documento e os respetivos acionistas, com exceção de alguns casos em que não foi possível precisar as empresas genericamente mencionadas pela EY.
Mais de metade dos 46 créditos apontados pela EY são de empresas ligadas à construção e ao imobiliário, mas o maior beneficiário dos créditos de risco da Caixa foi uma empresa industrial, a Artlant, criada pela espanhola La Seda de Barcelona para investir numa fábrica de matéria-prima para embalagens de plástico em Sines.
A La Seda tinha uma estrutura acionista diversificada, mas antes do seu colapso de a CGD se tornar um dos maiores acionistas o grupo português Matos Gil assumia uma posição de destaque na empresa de Barcelona.
A Artlant (detida pela La Seda, com a família Matos Gil como acionista de referência) e o veículo de investimento Júpiter (dos Matos Gil até 2009) obtiveram da Caixa 440 milhões de euros de crédito, que gerou imparidades de 300 milhões de euros no banco estatal.
José Luís Arnaut, advogado de Manuel Matos Gil, afirmou esta quinta-feira ao Expresso que o empresário “viu o seu nome relacionado com dívidas na CGD, relativamente às quais nada tem ou teve a ver directamente, tendo apenas sido por algum tempo acionista de uma das empresas, da qual aliás saiu em litígio com a gestão, e quanto à Artlant nunca esteve envolvido no projecto”.
O grupo IMG - Imatosgil enviou entretanto ao Expresso esclarecimentos adicionais, confirmando que em 2006 tinha uma posição direta e indireta de 11% na La Seda e que nunca teve mais do que isso.
Contudo, o relatório de governo da La Seda relativo a 2008 chegava a imputar ao grupo Imatosgil 12,4% dos direitos de voto na empresa espanhola. Diversas notícias publicadas na imprensa portuguesa entre 2006 e 2008 indicavam que o Imatosgil era na altura o maior acionista da La Seda. Em março de 2008, por exemplo, a Lusa referia que o grupo Imatosgil tinha 15,88% da empresa espanhola. E com vontade de chegar a 30%.
"Confirmamos que a intenção de reforçar a participação para um valor próximo dos 30% chegou a existir, mas, contudo, a mesma nunca se veio a concretizar por discordância das opções empresariais assumidas pela gestão da La Seda", refere o grupo.
No final de 2008, segundo a La Seda, além dos 12,4% da Imatosgil, a CGD tinha 7,2% dos direitos de voto e a Oman Oil 5,99%. O restante capital estava disperso por diversos acionistas minoritários.
A IMG salienta ainda que "nunca existiram participações formais ou informais de membros do grupo IMG em quaisquer negociações de financiamentos com o grupo CGD para discussão de financiamentos ao projeto Artlant".
O grupo liderado por Manuel Matos Gil (primeiro Imatosgil, depois IMG) foi um dos maiores acionistas da Espírito Santo International. A IMG está há vários anos na lista de devedores da Autoridade Tributária, com uma dívida fiscal superior a 1 milhão de euros. Em 2015, fonte do grupo disse ao Expresso que a sua presença na lista resultava de um diferendo fiscal antigo, que há vários anos se arrastava nos tribunais. Uma disputa que ainda não terá sido resolvida, pois a IMG continua a constar da lista de devedores no escalão de 1 a 5 milhões de euros.
Até 2015 a Caixa também tinha registado imparidades de 152 milhões de euros com o empresário Joe Berardo (somando a sua fundação e a Metalgest) e de 138 milhões com Manuel Fino (para financiar a compra de ações da Cimpor e do BCP).
A aposta da Brisa na Auto-Estrada do Douro Litoral também provocou perdas substanciais na CGD (foram 123 milhões de euros até 2015).
A lista dos grandes beneficiários de crédito de risco da CGD inclui ainda a família Barroca Rodrigues (quer pelo crédito à Lena Construções, quer pelos empréstimos à holding de topo Always Special), o falecido Horácio Roque (pela sua Fundação, pela empresa madeirense Soil e pela participação do Banif na sociedade Finpro) e ainda o grupo de construção João Bernardino Gomes (que soma três financiamentos na lista dos créditos de risco elencados pela auditoria da EY).
Nota: Notícia atualizada às 15h55 com posição do advogado José Luís Arnaut negando o envolvimento directo de Manuel Matos Gil nos créditos à Artlant e à Júpiter, e novamente atualizada às 19h40 com esclarecimentos adicionais da Imatosgil sobre este tema.