O râguebi não se distingue do futebol apenas por utilizar uma bola que não é redonda. E se pensarmos em termos de selecções nacionais a diferença é ainda maior. Dificilmente se imagina um jogo de futebol entre os craques da bola (redonda) e os jornalistas, a meio de um Mundial e, muito menos que, no final, todos se sentem à mesma mesa e confraternizem, sem "black outs", nem "of the records", nem outras tretas.
Mas foi exactamente isso que aconteceu no jogo amigável disputado em Chambon-sur-Lignon entre a equipa técnica da selecção e os jornalistas que têm acompanhado este torneio. Chuteiras foram emprestadas pelos próprios jogadores, enquanto calções e outro equipamento foram cedidos pela Selecção. Num gesto de solidariedade, todos entraram em campo com as camisolas das Associação Portuguesa das Crianças Desaparecidas, figurando os rostos daqueles cujo paradeiro até hoje se desconhece. Apesar de, do lado dos repórteres, haver alguns antigos jogadores de râguebi, mais juventude e ligeira superioridade numérica, os contrários, onde pontificavam o seleccionador Tomaz Morais, o treinador adjunto Daniel Horcade, o preparador físico Pedro Neto, o treinador de avançados Adam Leach, o dirigente federativo Francisco Martins ou o insubstituível "pai Mirra" (o homem da logística), não deram hipóteses e arrasaram por uns concludentes cinco ensaios a um. Nem a protecção aos mais fracos por parte do árbitro, o jogador Miguel Portela, compensou. No final, um momento bem-humorado, com Tomaz Morais a fazer de repórter de televisão e a entrevistar os jornalistas, para as câmaras das estações ali presentes.
Mais tarde, recuperadas algumas mazelas, um grupo de jogadores encontrou-se com os jornalistas numa pizzaria da aldeia. Algumas das histórias contadas à mesa foram verdadeiramente hilariantes. Duarte Cardoso Pinto, o homem que converteu até agora todos os pontapés de livre ou transformação deste mundial (com uma única excepção contra a Itália) desde novo que não tem, propriamente, muito cabelo. Isso fez com que num dos primeiros jogos internacionais em que entrou tivesse ouvido os adversários a combinar: "olha o velho, vamos cilindrá-lo..." João Correia, por sua vez, ria-se à gargalhada, evocando um torneio de braço-de-ferro com um jogador das Ilhas Fiji, após um jogo amigável. No restaurante de Cascais onde decorria a confraternização pós-encontro (a famosa "terceira parte" do râguebi), ganhou à primeira, ganhou à segunda e, quando ganhou à terceira e viu o adversário pôr-se em tronco nu, pensou "isto vai acabar à estalada". Mas não! Era só para trocarem de camisolas. Ainda com um sobrolho visivelmente suturado, José Pinto, eleito o melhor em campo no jogo com a Itália, explicava aos jornalistas as suas dúvidas. Já licenciado em Medicina, ainda não sabe que especialidade escolher. "Talvez ortopedia, que sempre tem a ver com o râguebi..."
Para a confraternização ser perfeita, faltava à mesa o capitão da equipa, Vasco Uva. Uma presença fisicamente impossível, já que ao princípio da tarde era operado a uma fractura dos dedos da mão esquerda que o afastará do jogo decisivo com a Roménia, na terça-feira, em Toulose (transmissão SportTV às 19h). Para o seleccionador Tomaz Morais, estes dois dias de descompressão após o jogo com a Itália são fundamentais "para reduzir a ansiedade dos jogadores", uma vez que "em poucos dias lhes foi exigido muitíssimo, com uma viagem de 1000 quilómetros pelo meio".