Quando se deixa a auto-estrada de Lyon para Paris e se entra na Estrada Nacional 88, de Saint Étienne para Le Puy en Velay, os sinais da realização do campeonato mundial de Rugby rapidamente se esbatem após deixarmos para trás o estádio onde amanhã a selecção portuguesa fará o seu primeiro jogo.
Passada uma dúzia de quilómetros, uma pequena placa, perdida entre anúncios de refrigerantes e hipermercados, proclama que a aldeia de Chambon sur Lignon acolhe a equipa lusa. É preciso sair desta via rápida e tomar a direcção de Yssingeaux para as coisas mudarem. Muda, desde logo, a paisagem: uma sucessão de bosques, colinas e campos de cultura que nos mostra uma França rural e acolhedora, longe dos grandes chamarizes do turísmo de massas. À chegada a Tence, uma aldeia florida, com casas de pedra e grandes portadas de madeira, surgem as primeiras bandeiras portuguesas. Em rigor, são panos ou plásticos verdes e vermelhos, mas o suficiente para se perceber que Portugal anda por ali. De resto, é no pequeno cinema local que se realizam as conferências de Imprensa da equipa comandada por Tomaz Morais.
Mais 8 km, percorridos à beira do rio Lignon, entre bonitas paisagens de montanha e chega-se à aldeia. Agora, não há mesmo dúvidas de que os portugueses andam por ali; multiplicam-se as bandeiras, há cartazes do turismo português e a biblioteca pública expõe na montra traduções de Agustina, Saramago ou Eduardo Lourenço. Com a ingenuidade e o afecto que só um desenho de criança tem, múltiplas aguarelas dos alunos da escola local exploram os temas "lobos" (designação da equipa lusa) e bandeira das quinas. Chambon é, de facto, um sítio especial. Aqui se refugiaram protestantes, perseguidos durante as sangrentas guerras religiosas de princípios do séc. XVI e, durante a II Guerra foram acolhidas crianças em perigo, nomeadamente judias. Nos bosques em roda, os "maquisards", gaullistas, católicos, comunistas ou, simplesmente, patriotas, travaram uma luta sem tréguas com os ocupantes alemães e os colaboracionistas dos nazis, entre 1943 e 1944. Mas de tudo isso se falará numa próxima crónica, que esta aldeia bem merece o seu momento de fama.
Regressando à selecção portuguesa, esta concentra-se durante as próximas duas semanas no Hotel Bel Horizon. É um estabelecimento simpático, confortável mas sem pretensões, bem à imagem da maneira de estar dos jogadores e do seleccionador. Aqui, finalmente, há bandeiras portuguesas, das legítimas, com a esfera armilar, o escudo, as quinas... E para que não haja dúvidas, a equipa da Sport TV que acompanha o campeonato pendurou na fachada uma parabólica com os dizeres respectivos.
É desta base que os jogadores saem para os treinos, seja de conjunto, ao fim do dia, no pequeno estádio local, seja de corrida, ou de preparação de movimentos e sectores específicos. Ou seja, há sempre alguém a chegar ou a partir, em calções ou fato de treino, a correr ou de bicicleta. Na sala de estar, que serve de estúdio de rádio ou TV quando é preciso, um quadro, diariamente actualizado pelo seleccionador, apresenta um horário preenchido ao minuto e que termina, invariavelmente, com o "recolher obrigatório" às 23h00 locais (22h00 de Lisboa).
Logo a seguir à boa impressão deixada pela aldeia, uma segunda coisa surpreende os recém-chegados: o frio infernal que se faz sentir, comparado com o fim de Verão português, sobretudo de manhã e ao anoitecer. "Chegámos a ter Oº C de manhã e os carros cobertos de gelo. Isso obrigou-nos a improvisar um reabastecimento de emergência, pois não trazíamos equipamentos para tanto frio", explica o vice-presidente da Federação Portuguesa de Rugby, António Águas.
Respondendo à hora de almoço em directo para as rádios, o seleccionador nacional Tomaz Morais, explica que uma das coisas que mais o impressionou foi o "fair-play" que reinou na reunião realizada entre árbitros, treinadores e capitães de equipa e destinada a clarificar os critérios a seguir pelos juízes durante as partidas. "É altíssima competição, mas leal e com todas as cartas na mesa". Os jogadores estão motivados como nunca e enfrentarão os adversários de acordo com as suas características: a Escócia tem um jogo simples e eficaz, à medida do velho futebol britânico, os Neo-zelandeses são perfeitos em tudo, os italianos são uma equipa que, tendo feito um percurso semelhante ao da equipa lusa, são hoje uma grande potência e a Roménia, tendo mais palmarés, não é esmagadoramente melhor que Portugal.
Sinal do bom ambiente que reina, até os elementos da polícia francesa que fazem dia e noite a segurança da selecção são outra coisa. Um destes, pertencente a uma unidade equivalente ao Grupo de Operações Especiais da PSP e cujo nome omitiremos por razões óbvias, foi, ele próprio, jogador de râguebi. E era vê-lo, sexta-feira à noite, no estádio de Chambon, enquanto deitava um olhar profissional sobre tudo o que se passava à volta, ir trocando, a um dos cantos do relvado umas bolas com um dos jogadores lesionados e com Francisco Martins da federação portuguesa, para se lembrar dos tempos em que jogava a pilar...