ARQUIVO Um país com quilómetros de histórias

Senhor Quarta-Feira, que não é contra ninguém desde que se comportem como gente

O restaurante do senhor Quarta-Feira, que tem um grande busto da República algures no interior, só não abre ao domingo, dia de missa. "Mas a minha missa é outra, a pesca do achigã." Experimentámos o prato único para quem chega sem marcação de véspera: cachaço de porco preto. E o segredo da iguaria foi-nos revelado. Dois repórteres do Expresso partiram numa viagem que os levará de norte a sul de Portugal. Estão a narrar diariamente o mais inesperado que se encontra pelo país fora.

Sr Zé do Restaurante Quarta Feira, em Évora.

Bernardo Mendonça e Tiago Miranda

Dia #6 na estrada.

Desta vez a noite terminou em Évora. Chegámos da estrada feitos num oito e com apetite de gente grande para comer o melhor da região. Decidimos ligar a uma amiga com gosto pela boa cama e boa mesa nacional para nos sugerir um destino para jantar e acabámos a bater à porta da "casa" do senhor Zé Dias, dono da afamada "Taberna Típica Quarta-feira" (R. Do Inverno, nº 16). Um espaço que é há 23 anos uma referência da boa comida regional alentejana.

Fomos recebidos à entrada pelo dono que trata todos por igual, ou seja, como se fossem amigos de longa data. Encontrámo-lo a brindar com um grupo de americanos que chegaram por sugestão de um guia. O maior conselho que lhe podemos dar é deixar-se conduzir pelo senhor Zé Dias (também conhecido por "senhor Quarta-Feira"), sempre bem-disposto, carismático, com piada pronta na ponta da língua. "Esta é uma casa republicana, socialista e laica. Quem não souber o que quero dizer ficará a patinar. Mas sou abrangente  politicamente. Não sou contra ninguém, desde que se comportem como gente." O restaurante tem um grande busto da República e um cartaz original do general Humberto Delgado, com a frase "O candidato da ordem, da moral e da pacificação".

O restaurante de Zé Dias (ou "Zéi", como ele diz com carregada pronúncia alentejana a carregar no "i") está aberto todos os dias, menos aos domingos, dia de missa. "Mas a minha missa é outra, a pesca do achigã." A ementa do Quarta-Feira tem uns quantos pratos típicos, e pode surpreender de acordo com a vontade do freguês, mas Zé Dias, de 66 anos, optou desde há muito pelo conceito de prato único para quem chega sem marcação de véspera. "Quem aparece na hora só come cachaço."

Foi o que nos foi servido. E muito bem. Cachaço de porco preto longamente cozinhado no forno até atingir uma textura suculenta como se fosse manteiga. Palavra de jornalista. Uma maravilha feita pelas mão da cozinheira D. Luísa e servida com esparregado ou migas de couve flor (esta última só aos sábados). Soube a céu estrelado. No final, ainda serviu uma "mariquice": bolo de mel e noz; e encharcada.

No final, Zé Dias chamou-nos à cozinha para nos explicar como é que aquele prato é feito. Pedimos-lhe para o fazer para a câmara, como se estivesse a apresentar um programa de culinária. "Vamos a isso. Podem começar a gravar." Atrás dele, a D. Luísa serviu de ponto. Para não lhe escapar nada.

VEJA AQUIO DOSSIER COM TODOS OS ARTIGOS - E ADICIONE-O AOS SEUS FAVORITOS