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A guerra de Obama

Declarações de oposição começaram a afluir à caixa de correio electrónico do Expresso, mesmo antes de Barack Obama ter acabado de anunciar a sua nova política para o Afeganistão, num discurso perante os alunos da academia militar de West Point, na terça-feira. Clique para visitar o dossiê PRESIDÊNCIA OBAMA
Sondagens mostram que os americanos estão profundamente divididos quanto à guerra
Charles Dharapak/AP

Tony Jenkins, correspondente nos EUA (www.expresso.pt)

"Traz de volta, o mais depressa possível, todos os nossos soldados que estão no Afeganistão", exigia a MoveOn.org - a maior organização progressista do país. "Como é que ele vai pagar os 30 mil milhões de dólares adicionais por ano?", perguntava, irritado, um congressista democrata. A decisão de enviar mais 30.000 soldados levou o realizador cinematográfico Michael Moore a sugerir que Obama tinha "bebido do veneno de Bush".

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A reacção da direita foi igualmente veemente. "As datas de retirada são ditadas por condições", repetiu aos jornalistas o candidato republicano às presidenciais do ano passado, John McCain. "A maneira de ganhar as guerras é esmagando a determinação do inimigo e não anunciando a data em que nos retiramos." Os conservadores argumentam que a decisão de Obama de iniciar a retirada do Afeganistão daqui a 18 meses deu aos talibãs e a Al-Qaeda uma enorme vantagem psicológica e prejudicou a própria política do Presidente.

As sondagens indicam que os americanos estão profundamente divididos quanto à guerra e cada vez mais fartos dos custos desta, em termos de sangue e financeiros. David Bromwich, professor da Universidade de Yale, fala em nome daqueles que vêem a nova política como uma oportunidade perdida de fazer face ao "perigo de a guerra se estar a tornar parte integrante do modo de vida americano".

Discurso solene

Entretanto, há uma coisa em que todos os lados estão de acordo: o Afeganistão é agora a guerra de Obama. Embora o conflito tenha oito anos de existência e seja um fracasso devido à estratégia deficiente herdada de George W. Bush, a decisão de Obama de lhe dar novo impulso dá direito de propriedade a este último. A decisão irá ajudar a definir a sua presidência nos livros de História, do mesmo modo que foram guerras que definiram em grande medida as presidências de seis dos seus antecessores.

A avaliar pela sua conduta na terça-feira, poderá pensar-se que Obama teria preferido seguir o conselho de Bromwich. Foi o seu discurso mais solene e menos apaixonado, desde que entrou na Casa Branca. Parecia cansado e magoado, enquanto ia expondo a sua análise e explicava a sua decisão.

De facto, anunciou um desvio em relação ao nobre esforço de "construção de uma nação", destinado a transformar o Afeganistão numa democracia estável - algo que os especialistas dizem poder demorar décadas.

Clima amargo

Segundo Obama, o compromisso da América não poderia ter um prazo indefinido, "porque a Nação que estou mais interessado em construir é a nossa". Para alguns, trata-se de um sinal de que a América não pode continuar a permitir-se ser o polícia do mundo.

No entanto, Obama concluiu que os EUA não podiam limitar-se a retirar: permitir que os talibãs afirmassem ter derrotado os EUA daria novo alento aos terroristas de todo o mundo e tornaria mais ousados os talibãs do Paquistão, destabilizando ainda mais aquele frágil país nuclear. Embora não abordadas abertamente, também houve considerações de ordem política. No actual clima amargo entre os seus partidários e com a popularidade a descer rapidamente, Obama não pode dar-se ao luxo de travar uma guerra com os seus generais, nem correr o risco de dar um pretexto para os republicanos o acusarem de ser fraco em questões de defesa.

Com a ajuda do vice-Presidente Joe Biden, definiu um conjunto de objectivos mais claro e mais restrito: negar à Al-Qaeda o seu local de refúgio, abalar os talibãs para estes não poderem derrubar o Governo, acelerar a transição para o controlo afegão.

Atingir duramente os talibãs

Democratas descontentes e republicanos bombardearam com perguntas a secretária de Estado, Hillary Clinton, o secretário da Defesa, Robert Gates, e chefe do estado-maior conjunto das FA dos EUA, almirante Mike Mullen, quando estes testemunharam perante o Congresso, na quarta-feira, em defesa do plano de Obama. Apesar da cólera, John Murtha, presidente do comité da Câmara dos Representantes que supervisiona as despesas militares, admitiu, em declarações à Associated Press: "Não é provável que se verifique uma situação em que o Presidente possa perder, este ano, esta batalha (para financiar a sua nova estratégia)."

A estratégia consiste em atingir duramente os talibãs, para recuperar a iniciativa, ocupar os principais centros populacionais, libertá-los de talibãs e entregá-los ao Governo. Uma vaga de instrutores militares preparará rapidamente as forças afegãs, ao mesmo tempo que uma vaga de civis se ocupa da formação de funcionários e da criação de instituições públicas. Dentro de 18 meses, mesmo a tempo para campanha de Obama para a sua reeleição, pelo menos uma região do país será entregue à responsabilidade exclusiva de militares e civis afegãos. Mas Clinton, Gates e Mullen já deixaram claro que outras retiradas de tropas dependerão da situação no terreno.

Este facto causou receios entre alguns analistas de que o Afeganistão se torne outro Vietname: uma pequena potência com uma longa história de derrotar potências ocupantes maiores; um local onde o envolvimento americano poderá arrastar-se por anos, enquanto o moral e o apoio públicos se deterioram rapidamente.

"Precisamos da boa sorte de Obama"

Consciente desta crítica, Obama referiu-se-lhe abertamente. Os dois países são diferentes, argumentou, porque os EUA contam com um apoio internacional genuíno e porque o Vietname não tinha atacado os EUA, como fizeram os terroristas da Al-Qaeda, que têm as suas bases no Afeganistão.

Bill Goodfellow, director do Centro de Política Internacional diz: "A melhor maneira de retirar com honra, que era o que queríamos no Vietname, seria capturar ou matar Osama Bin Laden. Precisamos de alguma da boa sorte de Obama."