O primeiro debate do ciclo "Tempos de Transição" - acerca da governação de Marcelo Caetano - decorreu sob o signo dos "anos de ouro da nossa economia". A expressão foi utilizada mais que uma vez por Xavier Pintado, que também lhe chamou "quinquénio dourado".
Pintado foi secretário de Estado do Comércio e para justificar aquela classificação debitou numerosos índices sobre o comportamento da economia portuguesa: um aumento do PIB de 6,6% ao ano, "uma das taxas mais elevadas da Europa"; um crescimento económico só superado no espaço da OCDE "pela Grécia e Japão"; uma taxa de crescimento da produtividade que "só os tigres asiáticos viriam a ultrapassar"; um desemprego "com os valores mais baixos de sempre".
Vaz Pinto: actuar por dentro do regime
Igualmente secretário do Comércio, Alexandre Vaz Pinto pertencia ao que na época foi classificado de "grupo de jovens tecnocratas que integraram o Governo de Marcelo Caetano" - a que pertenceu até Março de 1974. Quando foi convidado pelo Presidente do Conselho, pôs como condição, que foi aceite, "o não ter que se filiar na União Nacional" - o partido único, que haveria de mudar de nome para Acção Nacional Popular.
Vaz Pinto acreditava que seria possível "actuar por dentro" do regime. Era um tempo em que "a presença do Estado na economia era avassaladora" e em que "o planeamento era o principal instrumento de política económica".
Vaz Pinto, que anos mais tarde viria a desempenhar funções semelhantes num governo de Pinto Balsemão, lamentou "a mentalidade tradicional quer do empresariado, quer da administração pública".
Oliveira Martins: caminhar para um regime de tipo europeu
João Oliveira Martins foi secretário de Estado das Obras Públicas de Caetano e ministro da mesma área de Cavaco Silva. Dos cinco elementos que constituíam o painel, foi claramente o mais distanciado.
"Quando entrei para o Governo, senti que se ia caminhar para um novo rumo da política em Portugal", no sentido de "um regime do tipo da Europa Ocidental". Manifestou a sua sintonia com "as intervenções da ala liberal" e elogiou o papel de Sá Carneiro, de Balsemão e do Expresso.
Depois, apresentou uma listagem de projectos de obras públicas com a chancela do seu gabinete, dirigido pelo ministro Rui Sanches. Projectos bem conhecidos da opinião pública: o arranque dos 350 km de autoestrada entre Setúbal e Braga; o porto de águas profundas de Sines (de que "não fui um grande adepto"); um novo aeroporto na região de Lisboa, com a opção a cair em Rio Frio; a ampliação do aeroporto de Pedras Rubras, no Porto; a recuperação das vias de caminho-de-ferro...
Motta Campos: a administração mais séria da história
Motta Campos foi o primeiro a falar de Salazar. Na sua intervenção (escrita, como a dos antecessores), não se percebeu qualquer apreciação crítica ao Estado Novo. Pelo contrário: "Portugal teve durante 40 anos a administração mais séria da sua História", enfatizou.
Em 1974, "a economia e as finanças estavam cheias de vitalidade". Não faltavam projectos ambiciosos: a primeira fase do molho do porto de Sines, "a obra mais cara que alguma vez foi feita em Portugal"; a barragem do Alqueva, "que iria começar a ser construída em 1974"; a primeira das centrais nucleares, que "deveria começar a produzir no início dos anos 80".
Deste, afiança que era "um progressista em matéria de desenvolvimento". "Se o IV Plano de Fomento tivesse podido ser cumprido, a face de Portugal seria hoje bem diversa".
O último orador deveria ter sido Rogério Martins. Devia mas não foi: o secretário de Estado da Indústria de Caetano, que depois do 25 de Abril viria a ser deputado quer do PSD, quer do PS, optou por nada dizer. Limitou-se a remeter a assistência, que enchia por completo a sala do Centro Nacional de Cultura, para dois livros seus...
Xavier Pintado: o "puro abandono" do Ultramar
A "questão ultramarina" foi abordada apenas marginalmente. Fundador do CDS, de que chegou a ser deputado, Xavier Pintado referiu-se várias vezes ao que designou de "o nosso Ultramar". Apoiou a política de Caetano, de "autonomia progressiva dos territórios do Ultramar". E sustentou a tese de que "a nossa economia seria capaz de sustentar os custos da guerra" durante mais alguns anos.
Falando sobre "o pós", negou que tenha havido uma política de descolonização, trocada por "um puro abandono".
Num sentido diferente, João Oliveira Martins recordara as referências públicas do próprio Caetano aos "novos Brasis". Mas quando o seu homónimo Guilherme (que dirigiu o colóquio) lhe passou a palavra, para se pronunciar sobre o Ultramar, ficou-se por um lacónico "prefiro não falar"...
Motta Campos, por sua vez, informou que o Orçamento Geral de Estado para 1975, em que ainda chegou a colaborar, previa que "um terço da despesa fosse para a Defesa" - ou seja, 18 milhões de contos.
Vaz Pinto concordou que "o problema de fundo" do regime "era a questão ultramarina". Quanto à sua posição pessoal, adiantou: "Fui acreditando que se resolveria um dia, de forma razoável".
Continuidade de Salazar?
O debate nunca deixou de ser morno. O momento em que as divergências entre os membros da mesa mais se revelaram foi a propósito da eventual continuidade entre as governações de Salazar e Caetano.
Motta Campos, que foi secretário de Estado de ambos, estabeleceu uma linha de continuidade no plano ideológico e governativo entre os dois chefes do Estado Novo. Leitura que foi frontalmente rejeitada por João Oliveira Martins, que sublinhou que, entre os dois, a diferença "era substancial".
"Quando fui para o Governo", lembrou Oliveira Martins, estava marcado por quatro episódios cuja responsabilidade atribuiu a Salazar: a invasão de Goa; o abandono da promessa de "eleições tão livres como na livre Inglaterra"; o exílio do bispo do Porto; e "a enorme recepção dispensada no Porto ao general Humberto Delgado".
O primeiro colóquio - de um total de oito - decorreu ao fim da tarde de dia 24, no Centro Nacional de Cultura. O próximo está previsto para 8 de Outubro, às 18h30, no Grémio Literário.
O tema será "O Regime e a Ala Liberal". Participam João Salgueiro, Elmano Alves, José Luís Nogueira de Brito, Mota Amaral e Pinto Balsemão. A moderação será de Rui Vilar.