Quais são as perspectivas do Fórum de Abuja no que concerne as pesquisas sobre vacinas contra a sida?
Do ponto de vista científico, posso dizer que estamos sempre aprendendo algumas coisas para prosseguir as pesquisas que irão chegar a uma vacina eficaz. Houve testes de eficácia, testes bastante exigentes, a fase quase determinante para se saber se a vacina é ou não eficaz. Esperamos o resultado desses testes, no próximo ano, na Tailândia, onde as pesquisas começaram há dois anos. Entretanto, houve dois testes de eficácia na África do Sul, que não mostraram bons resultados e foi necessário suspendê-los. A vacina não protegia contra a infecção e, portanto, era inútil prosseguir.
Se os testes na Tailândia confirmarem que a vacina vai na boa direcção, quando se poderia ter a primeira vacina contra a sida?
Se for confirmada a sua eficácia, será a primeira vez que teremos um resultado prometedor. Espero que até o fim do próximo ano possamos ter resultados positivos que conduzirão ao desenvolvimento de uma estratégia para colocar, rapidamente, essa vacina à disposição da população, principalmente nos países em desenvolvimento onde a epidemia tem um índice muito elevado.
Quando tempo vai ser preciso?
As etapas para levar uma vacina do laboratório para a população fazem parte de um processo bastante longo. Se os testes forem favoráveis, na fase III, vai ser preciso entrar na fase IV, para avaliar a sua eficácia, as dosagens necessárias, como utilizar, a homologação da vacina, a regulamentação, a quantidade suficiente para se fabricar. Tudo isso precisa de estar resolvido antes de se colocar a vacina no mercado. Enfim, se todos esses testes da fase III forem favoráveis nos fins de 2008, digamos que será preciso esperar ainda mais um ou dois anos para se saber se a vacina é realmente eficaz.
Porém, mesmo que seja preciso esperar mais dois ou três anos, será um grande acontecimento.
Sem dúvida! Sabemos que a vacina é o meio mais eficaz para se acabar com a epidemia. É a única maneira de colocar um ponto final, de uma vez por todas, nas dificuldades que temos há mais de vinte anos, para conter a epidemia.
E agora, como foi a experiência sul-africana?
Não podemos dizer que tenha sido mau, mas a vacina foi desenvolvida utilizando um vector de adenovírus. Ora, quando começaram os testes da fase II, constatou-se que a vacina não era capaz de impedir a infecção ou de reduzir a carga viral e ficou a suspeita de que, entre os que se tinham vacinado, havia mais infectados do que no grupo injectado com placebo. Os testes foram suspensos para se poder determinar a origem do problema. Está relacionado com o vector adenovírus e vai ser preciso recomeçar. Em todo caso, antes de passar para a fase II, a questão de segurança tinha sido bem controlada a fim de se passar aos testes clínicos.
Em África, as mulheres e os adolescentes participam dos testes?
Sim, essa foi uma das recomendações do Segundo Fórum da AAVP (Programa Africano de Vacinação Contra a Sida) , quando se discutiu a questão ética. Nos primeiros testes, tinham sido excluídas as mulheres, principalmente por questões de gravidez e amamentação, mas era preciso que elas participassem. Quando tivermos a vacina, importará saber se ela também será boa para as mulheres. E se não se fizerem testes como é que vamos saber se a vacina é eficaz? O mesmo se passa com os adolescentes. Os primeiros testes eram só para adultos de 25 a 50 anos. Ora, a vacina destina-se principalmente aos jovens. No caso da Sida, os mais afectados são os jovens, por serem os mais expostos. Há também muitos casos de infecções entre os adolescentes. Por isso era necessário inclui-los nos testes. Evidentemente, este processo foi antecedido por muita reflexão em torno das questões de ordem ética. Quem pode dar o acordo pelo adolescente, já que sendo menor não pode ele mesmo autorizar? Todas essas questões foram discutidas.
Existem regras internacionais a esse respeito?
Existem regras de ética internacional porque a AAVP, a OMS e a ONUSIDA desenvolveram guias para poderem seguir os testes a fim de que sejam feitos segundo as normas e a ética internacionais. Cada patrocinador que faz os testes tem de respeitar esses guias internacionais.
Porque houve problemas no passado, nos Camarões...
Isso acontece quando há falta de informação para as populações consideradas vulneráveis. É preciso que haja transparência antes, durante e depois dos testes. As populações devem ser bem informadas sobre os benefícios e os riscos que devem esperar durante os testes.
O outro objectivo, que era que a investigação fosse realizada pelos próprios africanos, foi atingido?
Sim, ajudámos muito a desenvolver as capacidades de investigação em África. Nos três primeiros anos, após a criação da AAVP, demos formação a muitos jovens cientistas em vários domínios da investigação de vacinas e continuamos a fazê-lo porque existem sempre lacunas neste domínio. Os patrocinadores, quando há, formam duas ou três pessoas que serão investigadores principais, mas não formam a grande maioria. É importante que muitos dos quadros envolvidos na investigação sejam formados nas boas práticas clínicas.
Diz-se que muitos dos médicos formados vão para os Estados Unidos e a Europa. A imigração qualificada não corre o risco de roubar os investigadores que vocês formam?
Existe realmente esse risco. Se em África não houver estruturas de integração nacional para os especialistas formados em África, tal poderá levantar problemas. Se formarmos um especialista que tenha as capacidades necessárias mas que não seja integrado num quadro em que possa evoluir e utilizar as técnicas aprendidas, poderá ser tentado a ir para outro lado. Este problema é real e foi debatido por muitos dirigentes africanos.
A circuncisão é aconselhada em África para evitar a sida. Isso foi aceite ou está a suscitar resistências?
Foi demonstrado que a circuncisão pode realmente baixar a taxa de infecções e a transmissibilidade do vírus, como uma ferramenta de prevenção. Está a ser vulgarizada em muitos países mas alguns países africanos de religião islâmica já a utilizam. Constatou-se que na África Austral os rapazes não circuncidados apresentam uma alta taxa da epidemia. Portanto, estes países poderão tentar integrar a circuncisão no plano da luta contra a sida.
A AAVP parece interessada em formar jornalistas com Fóruns anglófonos, lusófonos e francófonos. Será que a imprensa não estava bem informada sobre a sida?
Toda a informação passa pelos jornalistas e nós vimos essa necessidade de bem informar os meios de comunicação desde o início da AAVP e, em todos os países de África, criámos gabinetes de formação, começando pelos anglófonos. Depois, a nossa preocupação foi para que os jornalistas francófonos fossem mais bem informados e capacitados para poderem escrever publicações e artigos nos seus jornais sobre as investigações, as questões éticas, etc, para que estejam bem informados, para que a informação circule e para que não haja falsas informações a propósito da sida.
Há muitas superstições relacionadas com a sida...
Não apenas superstições mas sobretudo informações falsas em países como o Uganda, a Tailândia e o Brasil; quando há dez anos começaram os testes com vacinas, a população reagia dizendo que não queriam transformar-se em cobaias. Assim, é importante informar bem os jornalistas para que eles não escrevam este tipo de informação, que pode ser negativa para a população, e para que saibam que a investigação tem etapas, que somos obrigados a passar por elas, e que todas as pessoas envolvidas nas investigações deram o seu consentimento e compreendem muito bem porque foram recrutadas para os testes, e isso antes do início dos estudos. É por isso que essa informação de base é necessária.