Luís Brígido não está em Abuja, na Nigéria, mas está a colaborar e a acompanhar a evolução do Programa Africano de Vacinas. Assim sendo, participou activamente no Primeiro Seminário dos Média Lusófonos, em Lisboa, em Novembro passado, com o objectivo de formar comunicadores destinados a divulgar e informar correctamente seus países sobre a situação actual da Sida, a evolução das pesquisas sobre vacinas, prevenção e desmistificar as informações falsas e superstições ligadas à doença, principalmente em Africa.
A comunidade científica espera o balanço do programas africano de vacinas contra a Sida, na Nigéria, mas já se sabe que a vacina candidata tailandesa é a mais avançada enquanto na Africa do Sul voltou-se ao ponto zero, e no Brasil, em que fase vão os testes?
O Brasil estava participando no estudo HVTN-MERK que foi interrompido recentemente. Apesar da interrupção os voluntários estão sendo acompanhados e vêm recebendo informações e apoio da equipa brasileira envolvida no estudo. Esse estudo era uma fase 2b, envolvendo pessoas em risco acrescido. Outros dois estudos estão em andamento, todos fase 1 já com a vacinação terminada e os voluntários sendo acompanhados. Um estudo com produto vacinal em parte baseado no carreador viral (Adenovírus) utilizado no estudo interrompido está sendo reprogramado e possivelmente será suspenso. As pesquisas com produtos vacinais no Brasil estão sendo realizadas dentro do contexto do HVTN, rede de pesquisa do NIH, porém estudos de imunologia e virologia que tentam desenvolver vacinas têm sido conduzidos por diferentes grupos no país, inclusive com parceiros internacionais, como o ANRS, e estudos de pesquisa, em parceira com IAVI. O ministério da Saúde tem investido também em estudos voltados para vacinas terapêuticas.
Como vê o avanço da Sida nos países lusófonos africanos. Acha que o esforço do programa africano para criar quadros de cientistas poderá levar a uma solução africana ou o continente continua dependente da ajuda externa?
A situação da Sida na África é grave e deve ser encarada como uma calamidade global, merecendo atenção de diferentes organismos internacionais. A situação entre países lusófonos é heterogénea, com algumas nações, como Cabo Verde, com baixas taxas de infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) na população e outros, como Moçambique, com números bem mais preocupantes . O reforço da capacidade instalada, em especial o investimento em recursos humanos é parte da solução e a única forma de garantir uma resposta sustentada.
O programa africano de vacina contra a Sida decidiu abrir um espaço em língua portuguesa para chegar às populações dos países lusófonos, com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS). Como vê essa troca de informações lusófonas, ela também existe entre os cientistas lusófonos?
A integração entre nações lusófonas ainda é tímida e um esforço nessa direcção pode favorecer a troca de experiências, disseminação do conhecimento e fortalecer o combate à Sida.
A presença brasileira em Moçambique pode ajudar nos testes africanos de vacinas. Qual o papel do Brasil, do Instituto Adolfo Lutz e outros brasileiros na colaboração com os africanos?
O Brasil tem como prioridade da sua política externa apoiar iniciativas de colaboração com Países africanos. Diferentes institutos têm colaborado nesse esforço, inclusive o Instituto Adolfo Lutz, que tem recebido pesquisadores para treino. O Instituto participou da pesquisa recentemente interrompida pelo HVTN com a vacina de Adenovirus e pode contribuir na parte laboratorial para a preparação de pessoal técnico de países africanos.
O vírus VIH africano é muito diferente do existente no Brasil?
A diversidade genética do VIH em África é a maior em todo o mundo, uma vez que o vírus, assim como a espécie humana, surgiram nesse continente. No Brasil o vírus B predomina na maior parte do território nacional, com o vírus F presente na maior parte do país mas representando a minoria das infecções, com não mais de 10 por cento de pessoas infectadas. O vírus C predomina em alguns locais do sul do país. Essa variante C é a que predomina em países lusófonos, como Moçambique. Angola tem uma maior diversidade viral, com outras variantes presentes, incluindo algumas, como o vírus F, também comuns ao Brasil.
As últimas estatísticas da doença no mundo mostram menos infecções nos países desenvolvidos, enquanto a Sida avança em alguns países asiáticos, nas regiões pobres da federação russa e continua sendo um flagelo na África, isso quer dizer que a Sida se tornou numa das chamadas doenças da miséria e da pobreza?
As condições de miséria e pobreza que infelizmente acometem importantes sectores das nações lusófonas propiciam a disseminação da Sida e são obstáculo ao controle da epidemia. Combater essas condições favorece o controle da epidemia e os esforços em acções que procurem soluções abrangentes pode favorecer a eficácia das medidas no âmbito da Saúde Pública.
A questão da propriedade intelectual dos remédios e vacinas e a necessidade dos laboratórios investirem mesmo nos países pobres, sem retorno para investimentos, é tema de discussão da OMS em Genebra e vai ser também um assunto abordado na Nigéria. Como é que a comunidade científica aborda essa questão, qualificada de humanitária, pelo representante do Brasil em Genebra?
O Brasil, apesar de cumprir os acordos internacionais de propriedade intelectual, procurou sempre contextualizar a questão dentro de um espírito humanista, onde a garantia da saúde e bem-estar das nações deva ter primazia frente às necessidades de realização de lucros. Embora seja claro que os investimentos realizados mereçam ser recompensados, devemos olhar de frente a questão puramente monetária e procurar encontrar acordos onde possamos convergir essas necessidades com os compromissos éticos que foram construídos durante milhares de anos de convivência da espécie humana. Os problemas da saúde pública internacional são um excelente campo para o exercício real de uma prática solidária e que poderá influenciar positivamente os rumos do século XXI.