ARQUIVO Estado do desenvolvimento humano

Países ricos criam dívida ecológica

Os países mais pobres serão os grandes prejudicados. Com os governos a prepararem-se para a negociação de um sucessor para o Protocolo de Quioto, o relatório salienta a discrepância entre os objectivos politicamente acordados para reduzir as emissões de gases e as actuais políticas de energia.

A maioria dos países ricos não cumpre os objectivos acordados sob o Protocolo de Quioto, para a redução de emissões de gases com efeito de estufa. Esta é uma das conclusões do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, do Programa das Nações Unidas, que critica não só a falta de empenho dos Estados-Unidos e da Austrália, como também da União Europeia.

O documento, com o título "Combater as alterações climáticas: Solidariedade humana num mundo dividido", não deixa margem para dúvidas: os países mais ricos estão a criar uma dívida ecológica que terá impacto, primeira e mais fortemente, nos mais pobres do mundo. "Se cada pessoa gerasse as mesmas emissões que um europeu, em média seriam necessários quatro planetas para evitar alterações climáticas perigosas", lê-se. O número aumenta para sete quando se fala em países como os EUA e a Austrália.

Com os governos a prepararem-se para um reunião crucial em Bali, Indonésia, onde vão negociar um sucessor para o Protocolo de Quioto, o relatório salienta a discrepância entre os objectivos politicamente acordados para reduzir as emissões de gases e as actuais políticas de energia. "Não precisamos de comunicados de alto nível lembrando-nos que temos um problema urgente. Precisamos de soluções e medidas práticas para reduzir as emissões", ressalva Kevin Watkins, autor principal e director do Gabinete do Relatório de Desenvolvimento.

Falhas na União Europeia

O relatório reconhece o objectivo "ambicioso" da UE, de reduzir as emissões em 20% até 2002. No entanto, salienta três falhas sistemáticas na primeira fase do Regime Comunitário de Comércio de Licenças de Emissões de Gases com efeito de estufa, o maior programa de limite e negociação para as emissões de dióxido de carbono.

Primeiro, "as licenças foram alocadas em excesso, o que aumentou artificialmente o seu valor por que o limite fora afixado acima dos níveis reais das emissões", lê-se no documento. Em segundo lugar, "geraram-se inesperados lucros nos sector energético", que permitiram às empresas "ocultar as suas emissões através de cotas gratuitas", podendo ainda "passar os custos para os consumidores e beneficiar da comercialização do excesso de cotas". Por último, o relatório critica ainda que se tenham fixado "limites para os leilões de licenças de emissões, privando os governos da possibilidade de mobilizar receitas, o que gerou ineficiências".

Maus exemplos: EUA e Austrália

O relatório fala ainda do mau exemplo dado pelos EUA e pela Austrália, que assinaram mas não ratificaram o Protocolo de Quioto. Ambos os países aumentaram as suas emissões nos últimos dois anos.

Nos EUA, estados como a Califórnia e cidades como Nova Iorque estabeleceram, com sucesso objectivos de redução de emissões. Contudo, "a abordagem do país como um todo não está a funcionar", frisa o documento.

E se as preocupações aumentam nos países ricos quanto às alterações climáticas, o documento mostra que, entre 2000 e 2004, nos países em vias de desenvolvimento uma em cada 19 pessoas foi afectada por catástrofes relacionadas com o clima. Em contraste, nos países desenvolvidos os números apontam para uma em cada 1500.

O relatório das Nações Unidas aproveita para deixar algumas propostas para "iniciar uma rápida e profunda mitigação do carbono": taxação de carbono e medidas mais restritivas de limite-e-negociação, conjugados com a regulamentação e aumento da investigação de desenvolvimento de tecnologias de reduzidas emissões de carbono.