A próxima edição do DocLisboa, que arranca quinta-feira, abre com o novo filme de Wang Bing, “Man in Black”, estreado em maio em Cannes, e em simultâneo fecha um novo ciclo com a obra do grande documentarista chinês deste século, cronista incansável das transformações do país que ele tem percorrido de norte a sul, de este a oeste, ao longo destes últimos 25 anos, aprofundando contextos históricos e sociopolíticos complexos. A escolha do Doc é uma questão de critério e de coerência, sem nada de casual; a história do festival, aliás, é paralela no tempo a esta aventura cinematográfica. Recorde-se: no inverno de 1999, no advento do digital — e na mesma altura que, por cá, Pedro Costa filmava, também em digital, “No Quarto da Vanda” e o colapso progressivo do Bairro das Fontainhas a norte de Lisboa —, Wang Bing lançou-se a documentar com uma câmara Mini-DV os últimos movimentos de vida (e a morte anunciada) das grandes siderurgias estatais de Shenyang, no nordeste da China, até então um pilar económico essencial do país. A primeira fase da rodagem durou até à primavera de 2001, Berlim mostrou uma versão não acabada do filme em 2002, numa altura em que a Apordoc, pela ação de José Manuel Costa, Pierre-Marie Goulet e Luís Correia, já planeava uma edição experimental do Doc nas salas do CCB. Wang Bing veio então a Lisboa pela primeira vez apresentar o seu trabalho e, com Pedro Costa a presidir ao júri, venceu essa edição nº 1 do Doc. O prémio ajudou-o em seguida a terminar a terceira parte daquela que viria a tornar-se a sua longa-metragem de estreia, “West of the Tracks”. Tão apreciado foi que nem a sua longa-duração o impediu de chegar às salas francesas no ano seguinte, no país em que Wang Bing se exilou e em que hoje vive com a família. Fez capa dos principais jornais e revistas. E foi uma pedrada no charco.