Cultura

Casas de Camões em Constância e Moçambique precisam de investimento

A Casa Memória de Camões em Constância começou a ser pensada e construída há 50 anos, mas até hoje nunca foi aberta ao público. A casa do poeta na Ilha de Moçambique tem o interior em ruínas

Getty Images

A Câmara de Constância reivindicou esta segunda-feira apoios do Estado para "abrir em Portugal uma Casa digna da Memória de Camões", pedido secundado pela direção da Associação Casa Memória, no âmbito das comemorações dos 500 anos do nascimento do poeta.

"Nós, neste momento, temos uma Casa Memória construída e a única coisa que falta é dotá-la de recursos financeiros e humanos para poder funcionar de forma permanente", disse à Lusa o presidente da Câmara local, Sérgio Oliveira (PS), notando que "sozinhas, a autarquia e a entidades locais, não conseguem".

"Estas comemorações de Camões permitiram reafirmar Constância como a terra mais camoniana de Portugal, e projetar o nosso concelho a nível nacional e internacional", afirmou Sérgio Oliveira, reivindicando apoios do governo para a "abertura permanente" da Casa Memória de Camões.

"No dia em que o projeto de Camões em Constância esteja completo, ou, melhor dizendo, reafirmado, porque o projeto de Camões é dinâmico e nunca estará fechado, a afirmação do concelho será muito maior. E o reafirmar deste projeto faz-se com a abertura de forma permanente da Casa Memória de Camões. No dia em que esta concretização se realize, Constância passará a ser o Centro Nacional e Internacional para o estudo a aprofundamento de Camões", vincou o autarca.

A Casa Memória de Camões começou a ser pensada e construída há 50 anos, mas até hoje nunca foi aberta ao público e aos turistas, com atividades regulares, a exemplo do que sucede em outros países, com outras figuras históricas, como em Espanha, com a Casa Cervantes, ou em Inglaterra, com a Casa Shakespeare, o que Sérgio Oliveira lamenta.

Sobre as ruínas que o povo aponta como tendo sido as da casa que o acolheu, foi erguida a Casa-Memória de Camões para perpetuar a memória do poeta à vila ribatejana.

Constância assinalou hoje os 500 anos do nascimento de Camões com a deposição de uma coroa de flores junto à estátua do poeta e uma recriação histórica no âmbito das Pomonas Camonianas, com o parque de merendas, na zona ribeirinha, transformado num imenso mercado quinhentista, retratando a época em que viveu o poeta, envolvendo a população, a comunidade escolar e as associações do concelho.

Em Constância, existem ainda o Monumento a Camões do mestre Lagoa Henriques e o Jardim-Horto Camoniano, desenhado pelo arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles, que apresenta a maior parte das plantas referidas por Camões na sua obra e é considerado um dos mais vivos e singulares monumentos erguidos no mundo a um poeta.

Sérgio Oliveira disse que "teria todo o significado que o Ministério da Cultura tivesse aqui um olhar especial e que fosse desta vez, quando se assinalam os 500 anos do nascimento de Camões, que esta casa fosse dotada daquilo que é fundamental para estar a funcionar", com abertura diária, a par de atividades regulares de estudo e investigação, defendeu.

"Somos dos poucos países que não tem uma casa dedicada a Camões e ao estudo da vida e obra", notou o autarca, afirmando que já procurou sensibilizar a atual Ministra da Cultura para dotar a Casa dos conteúdos necessários, recursos humanos e financeiros, para fazer da Casa Memória uma casa de estudo, pois a seu ver é "difícil haver terra que comemore Camões como Constância" o faz.

Casa de Camões no imaginário popular na Ilha de Moçambique

O edifício que a tradição oral da Ilha de Moçambique identifica há séculos como a casa onde viveu Camões necessita de obras, embora a porta com motivos orientais esteja recuperada, quando localmente se assinalam os 500 anos do nascimento do poeta.

Com portões de madeira trabalhada em Goa, que foram reabilitados há vários anos, a Casa de Camões, está atualmente com uma parte do interior em ruínas. Esta antiga feitoria de escravos terá sido habitada por Luís Vaz de Camões (1524-1580) numa das suas passagens pelas terras onde os descobridores portugueses combatiam e faziam comércio, entre a costa oriental de África e a Índia.

Nascido há 500 anos, em 10 de junho de 1524, em Lisboa, o poeta-soldado viveu e escreveu cerca de dois anos na Ilha de Moçambique, na antiga rua do Fogo, onde também terá sentido que o amor "é fogo que arde sem se ver".

Talvez a amada Bárbara não fosse um nome próprio, mas a alusão a "uma escrava que residia fora da Cidade de Pedra e Cal e que, portanto, era considerada bárbara, não era cidadã", disse à agência Lusa o investigador Maurício Pedro Régulo.

No século XVI, Camões "trouxe uma revolução à literatura" de expressão portuguesa, acrescentou o historiador e académico moçambicano.

Reconhecendo que a tradição popular tem contribuído para "imortalizar a figura de Camões", tanto na Ilha de Moçambique, como no país, que em 1975 se tornou independente de Portugal, ressalvou que, em Moçambique, a valor universal da obra do poeta português "é mais conhecido pelas pessoas letradas".

"A outra parte da população pode não perceber essa outra dimensão", admitiu.

Nas ruas da ilha, onde nativos da maioria muçulmana convivem pacificamente com cristãos, Abdul Bachir, de 14 anos, quis mostrar à Lusa onde fica a Casa de Camões.

Sabe perfeitamente quem foi o português que enfrentou "perigos e guerras esforçados", entre a "ocidental praia lusitana" e Macau, na China, passando pelo Norte de África, Moçambique e Índia.

O jovem seguidor dos preceitos de Maomé insistiu na importância de os visitantes conhecerem a estátua de Camões, a escassos 100 metros da habitação lendária da rua do Fogo.

Mais tarde, na praia junto à estátua de Vasco da Gama, o talentoso Abdul, que na ilha — Património Mundial da Humanidade desde 1991 — tem fama de poeta, começou a declamar versos da sua autoria sobre as artes de marear e a audácia dos navegadores.

As estátuas de bronze de Camões e Gama, tal como a Casa de Camões e diversos edifícios da época colonial, integram o roteiro turístico da ilha, delineado pelo Município em colaboração com o Camões — Instituto da Cooperação e da Língua.

O município local apresenta Camões como "marco da multifacetada história da Ilha de Moçambique", a qual cantou como "pequena ilha" do Índico em "Os Lusíadas", tendo influenciado "de forma positiva e motivadora as gentes" locais.

A estátua do poeta foi inaugurada, em 1970, pelo governador-geral da então colónia de Moçambique, Baltazar Rebelo de Souza, pai do atual Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

"O Presidente Samora Machel, por ocasião da sua visita a Portugal, em outubro de 1983, afirmou que Camões não era património exclusivo dos portugueses", mas também dos moçambicanos "por via da língua portuguesa", que agora é "símbolo da liberdade, da independência e da partilha", salienta o município num roteiro virtual da ilha Património da Humanidade.

Maurício Régulo, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lúrio, guiou uma visita aos monumentos e património arquitetónico da ilha, que até segunda-feira acolhe um programa luso-moçambicano comemorativo dos 500 anos do nascimento de Camões.

Subordinada ao tema "Camões, Palavras de Fogo", trata-se de uma parceria entre a Universidade Lúrio, de Nampula, e a Cooperativa Arte-Via, com sede na Lousã, distrito de Coimbra, tendo sido concebida como extensão do Festival Literário Internacional do Interior (FLII).

"Camões continua nas escolas, é uma referência no ensino", confirmou Maurício Régulo, que considera "muito importante preservar o seu legado", mas sublinhando a necessidade de realizar eventos luso-moçambicanos, já que "nem toda a gente pode conhecer" a herança do poeta.