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Cultura

Gonçalo Byrne: “A remuneração dos arquitetos está ao nível da compra de batatas”

O novo presidente da Ordem dos Arquitetos fala da infância na Beira Alta, da lição de vida dada pelo projeto SAAL, do fascínio pela Escola do Porto, e põe a nu as fragilidades de uma profissão esmagada entre a precariedade, o trabalho abaixo dos custos, e uma filosofia, alimentada pelo Estado, de concursos assentes no custo mais baixo. A qualidade na arquitetura, diz, não é uma questão de elitismo. É um direito para todos

As palavras brotam-lhe como se fossem carícias destinadas a atenuar a tristeza, o desconforto, a incerteza, a amargura de um tempo estranho como nunca nos fora dado viver. Dividido entre o ateliê em Lisboa e o quase refúgio na casa de família em São Pedro de Moel, este descendente de um irlandês, filho de um engenheiro de minas, nascido em Alcobaça a 17 de janeiro de 1941, vive o essencial da infância e adolescência na Beira Alta. Conta histórias do tráfico de volfrâmio, fala da pobreza extrema de companheiros de escola com fome, recorda o curso de arquitetura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa nos anos 60 e confessa o fascínio de sempre pelo trabalho desenvolvido pelos arquitetos da Escola do Porto, em especial Álvaro Siza e Fernando Távora.

Eleito presidente da Ordem dos Arquitetos em junho de 2020, com obras marcantes como a Torre de Controlo do Tráfego Marítimo de Lisboa, o bairro social “Pantera Cor de Rosa” (Chelas, Lisboa), a Reitoria da Universidade de Aveiro, ou a intervenção no Museu Machado de Castro (Coimbra), recorda os gloriosos tempos de colaboração com Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, a experiência única do SAAL (Casal das Figueiras, Setúbal), ou as polémicas à volta do trabalho de arquitetura. Preocupado com as consequências de uma crise prolongada, reflete sobre o modo como o trabalho do arquiteto tem vindo a perder importância, significado e valor em resultado de uma política, alimentada pelos sucessivos Governos, seguida pelos promotores privados, de adjudicação da obra e do projeto sempre pelo custo mais baixo, sem cuidar dos custos futuros dessa opção. Por isso, este homem sensível e de uma educação tão inabalável quanto rara, não se coíbe do desabafo: “A remuneração do projeto está reduzida a uma aquisição de batatas.”