Cultura

Uma estrela que se apaga: Carlos do Carmo (1939-2021)

O Expresso acompanhou a última gravação de Carlos do Carmo em estúdio, a 22 de maio de 2018. Doenças sucessivas, a que foi sobrevivendo, afastaram-no da conclusão do projeto. O cantor morreu esta sexta-feira, dia 1 de janeiro, aos 81 anos, na sequência de um aneurisma na aorta

Uma das últimas imagens de Carlos do Carmo em estúdio
Ana Baião

Ao princípio não quis acreditar no que acabara de ouvir. Entre os cliques da máquina fotográfica e a azáfama dos técnicos de estúdio e músicos Carlos do Carmo anunciara, num tom mais baixo, o nome que gostaria de dar ao disco que se encontrava a gravar.

Com um intuito de esclarecer o que acabara de ouvir fiz sinal à fotógrafa Ana Baião para parar de fotografar, algo que ela nunca mais me perdoaria. “Fizeste-me perder a melhor fotografia. Não viste como estava a cara dele?” Eu vira, mas também não queria deixar passar o momento sem perceber o alcance de tudo o que Carlos do Carmo acabara de me dizer.

O disco, por vontade própria, marcaria a despedida. E o nome mais indicado para anunciar esse final seria... “Até Sempre”. O cariz tétrico da escolha não o incomodava. Mas incomodava a família e em particular a sua querida esposa Maria Judite. Sendo que Maria Judite já o avisara que não o permitiria.

No dia 22 de maio de 2018, no estúdio de som, em Benfica, Carlos do Carmo, gravava uma das canções que com a Maria Judite escolhera para o álbum, no qual se incluíam poemas pelos quais o cantor tinha esperado toda a vida, como foi o caso de um de Herberto Helder.

Estava Carlos do Carmo a cantar um desses poemas, que começa com o verso “Uma estrela que se apaga”, quando tocou o telefone, o do próprio. Foi Becas, o filho e produtor de Carlos do Carmo, que o atendeu. Do outro lado, era feito o anúncio de uma triste notícia. Júlio Pomar, amigo próximo de Carlos do Carmo, morrera. Becas fechou o rosto, disfarçou, escondeu a notícia por algum tempo. Mas não muito. As gravações acabariam por ser interrompidas abruptamente.

Para Carlos do Carmo esse dia também seria o início de uma longa interrupção. Doenças sucessivas a que foi sobrevivendo estoicamente afastaram-no da conclusão deste projecto.

O cantor, filho de Lucinda do Carmo, subiu ao palco do Coliseu, em novembro de 2019, para um concerto inesquecível, onde não faltaram os amigos, os admiradores e as principais figuras políticas nacionais.

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, António Guterres e Fernando Medina, que como presidente da Câmara de Lisboa lhe entregou as chaves de Lisboa, aplaudiram-no de pé a partir da galeria presidencial.

Até hoje, o disco “Até sempre” não viu a luz do dia. Mas no final do poema que começa com “Uma luz que se apaga” também está um “até já”.

Leia a reportagem completa na próxima edição da Revista (no Expresso de 9 de janeiro de 2021)