"Era uma grande referência para mim. Uma das primeiras pessoas que ouvi cantar. Adorava-o. Aos dez anos fui ao Faia com os meus pais ouvi-lo cantar", conta Camané emocionado com a notícia da morte de Carlos do Carmo. "Foi uma pessoa que esteve sempre ao meu lado, atenta ao que eu faço. Aprendi muitas coisas com ele, como amigo, como artista."
Camané recorda o homem culto, inteligente e de grande sentido de humor, mas também "o génio como intérprete, um dos melhores cantores do mundo".
"O que ele deu ao país não se mede, deu tudo à música portuguesa, uma dimensão que ela não teria alcançado. Era de uma grandiosidade artística gigantesca", refere ainda Camané.
“Vestiu a camisola com todo o entusiasmo”
Para Sara Pereira, diretora do Museu do Fado, Carlos do Carmo foi "o embaixador incansável da candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade". "Devemos-lhe muito se o fado é hoje património imaterial da humanidade. Fez dele uma causa, vestiu a camisola com todo o entusiasmo". Sara lembra o "artista incrível, a figura maior da cultura portuguesa, o homem que deixou muitos e muitos temas que vão fazer parte do nosso imaginário coletivo sempre".
A diretora do Museu do Fado fala ainda da "entrega apaixonada à grande herança cultural e genológica que Carlos recebeu. Aquela tradição que recebeu da mãe e na qual pegou com pinças para inovar ao longo dos anos, ciente do diamante em bruto que agarra e vai polindo e trabalhando."
Nas recordações de Sara Pereira ficam também os concertos e os discos: "Não víamos um concerto igual ao outro, cada disco era um diálogo muito aberto com músicos de outras áreas e escritores diferentes". No fundo, "a banda sonora da cidade".
O bastião do fado em Portugal
Já para Maria do Rosário Pedreira, poeta e letrista de fado, Carlos do Carmo representava o bastião do fado em Portugal. Filha dos padrinhos de casamento do fadista, conhecia-o desde criança, tinha uma "enorme admiração por ele" e é a ele que está grata por lhe ter aberto as portas do fado, apostado como sempre esteve em conquistar poetas contemporâneos para o fado. "O fado estava muito mal visto a seguir ao 25 de Abril, associado ao salazarismo. Se não fosse o Carlos do Carmo, uma pessoa de esquerda, ter continuado sempre a cantar, teríamos perdido o fado como hoje o conhecemos", afirma.
Como intérprete, Maria do Rosário Pedreira elogia e recorda "a voz única", "o timbre muito particular e original". E atribui-lhe uma "nova maneira de cantar". "Saímos de um período em que a Amália era uma força da natureza e o Carlos começa a cantar uma espécie de fado canção com os poemas de Ary dos Santos e músicas de Fernando Tordo e do Maestro Vitorino D'Almeida".
"O fado também é dos homens"
Ricardo Ribeiro recorda a obra "extraordinária" que Carlos do Carmo deixa ao mundo e ao país, e fala dos laços de amizade que estreitou com ele. "O Carlos era de uma geração em que ainda se defendia que cada um devia ter o seu estilo e a sua forma de interpretar, ele tinha a sua autenticidade e originalidade", diz Ricardo Ribeiro.
"Carlos do Carmo teve um papel fundamental, mostrou que não é só feito de mulheres, que o fado também é feito por homens e muito bem feito. No fundo, mostrou bem, que o fado não é uma questão de género."
Grande perda para o país
Mário Laginha que com ele trabalhou num concerto com orquestra, lembra "uma das figuras mais incontornáveis do fado e da música do século XX". O músico de jazz que tem uma enorme admiração e compreensão do fado fala de um "cantor incrível", de um homem que "deu uma dignidade a tudo o que fez", alguém com "um rigor e um cuidado imenso na escolha dos poemas e de tudo".
"É uma grande perda para o país, espero que o país perceba a dimensão do cantor e do artista que acabou de perder", adianta ainda Mário Laginha.
O renovador do fado
Em declarações à Agência Lusa, Rui Vieira Nery, musicólogo, referiu-se a Carlos do Carmo como a “maior força renovadora do fado, depois de Amália Rodrigues". Nery disse também que “quase todos os momentos de renovação do fado, nos últimos 50 anos, tiveram alguma ligação com Carlos do Carmo”.
O autor de "Para uma História do Fado" não deixou de frisar “os grandes poetas e compositores de outras áreas que Carlos do Carmo trouxe para o fado” e “as pontes que estabeleceu entre o fado e outros géneros musicais”.
Uma tristeza para o mundo
Na sua conta do Instagram, Carminho escreveu uma mensagem a Carlos do Carmo, começando por realçar a morte do fadista como uma notícia "tão triste para o mundo". Carminho solidariza-se na dor com a família de Carlos do Carmo e não deixa de tornar público que "aquilo que com o Carlos aprendi ditou muitas das minhas decisões..."
O homem generoso
Mariza recorda Carlos do Carmo como "um bom amigo, homem generoso, inteligente, observador, muito curioso, e que gostava de partilhar". A fadista, em declarações à agência Lusa, falou do apoio de Carlos do Carmo à sua carreira, afirmando que tinha sido seu "mestre sem o saber", logo no início do seu percurso.
Um cantor fulcral
Carlos do Carmo teve um papel "absolutamente fulcral" dentro e fora do fado, diz o músico e compositor Sérgio Godinho. "Sempre achei que, ao mesmo tempo que é 'fadista de gema', ele é mais do que isso, é um cantor. Não é um fadista característico, como o [Alfredo] Marceneiro, é alguém com outro tipo de formação e que renovou dentro do fado e tem um papel absolutamente fulcral", afirmou.
Sérgio Godinho lamentou a morte do fadista, "alguém que eu sempre, sempre, sempre estimei muito".
"Os portugueses não têm noção"
Já Simone de Oliveira realça a carreira internacional do fadista Carlos do Carmo, e a dimensão que atingiu, da qual "os portugueses não têm noção".
Amiga do fadista, Simone recordou que foi Carlos do Carmo o responsável por ter voltado a cantar, depois de ter perdido a voz, em finais da década de 1960, após a sua vitória no Festival RTP da Canção, em 1969, com "Desfolhada Portuguesa".