O escritor Carlos Ruiz Zafón viu a sua carreira disparar quando, em 1993, o seu primeiro romance, “O Príncipe da Névoa”, venceu o prémio Edebé de literatura juvenil. Era um ex-estudante em ciências da informação que não acabara o curso e que trabalhara em publicidade, antes de tomar a decisão de abandonar tudo para começar a escrever.
Usou o valor do prémio para se mudar de Barcelona para Los Angeles, onde construiu um sólido corpo literário, pontuado de vários livros de sucesso, a par da escrita de guiões cinematográficos. Há dois anos, um diagnóstico de cancro de cólon interrompeu-lhe o caminho, obrigando-o a lutar pela vida. Esta sexta-feira essa luta chegou ao fim. A doença ganhou. Carlos Ruiz Zafón morreu naquela cidade norte-americana onde residia desde 1994 com a família.
A Planeta, editora dos seus livros (também em Portugal), publicou: “Hoje é um dia triste para toda a equipa que o conheceu e trabalhou com ele durante 20 anos, nos quais se forjou uma amizade que transcende o profissional.” Quem desaparece, acrescentou, é “um dos melhores romancistas contemporâneos”.
Ruiz Zafón era muito conhecido pelo romance “A Sombra do Vento”, de 2001, traduzido para mais de 50 línguas, e que vendeu acima de 10 milhões de exemplares. Este livro foi selecionado, em 2007, por 81 escritores e críticos latino-americanos e espanhóis para uma lista dos 100 melhores livros da língua espanhola dos últimos 25 anos. Sete anos depois deste best-seller, o autor escreveria “O Jogo do Anjo”, que despachou 230 mil exemplares no primeiro fim de semana após o lançamento. Os romances seguintes - “O Prisioneiro do céu” e “O Labirinto dos Espíritos” (com uma primeira edição de nada menos que 700 mil exemplares) - foram intercalados por dois volumes de contos. Em 2006, Zafón venceu o Prémio Correntes d’Escritas.
Nascido em Barcelona a 25 de setembro de 1964, Carlos Ruiz Zafón passou a infância num apartamento próximo à basílica da Sagrada Família. Iniciou-se na literatura juvenil com a Trilogia da Névoa, três livros redigidos entre 1993 e 1995. O facto de ter escolhido a literatura após uma incursão na publicidade e no cinema - e de ter continuado a trabalhar ativamente nesta indústria como redator de guiões - marcou fortemente a sua escrita e a construção dos seus romances, além da presença de elementos fantásticos e o tom de aventura.
Ao jornal “El País”, em 2008, declarou sobre o seu percurso literário: “Tem muito de guionista; e muito menos de publicitário. A publicidade foi o meu primeiro trabalho, tinha 19 ou 20 anos, e sim, comecei como copywriter e acabei diretor criativo; aprendi muito e consegui ganhar a vida.... Muitos escritores, como Don Delillo, trabalharam em publicidade porque esta roça a literatura. Aprendes a linguagem, as palavras como imagens. É equivalente aos romancistas que um dia foram jornalistas. Michael Connely, que me interessa muito, foi jornalista de justiça em Los Angeles e sem essa formação a sua literatura seria muito diferente. Porém, o que tem impacto na minha obra – e nunca é referido - é o meu trabalho cinematográfico".
Presença rara em festivais literários e homem avesso às aparições públicas, disse: “O suposto mundinho literário é 1% literário e 99% mundinho”. Sobre a forma como escreve, descreveu: “O meu método de trabalho está dividido por camadas. Escrevo como se faz um filme, em três fases. A primeira é a pré-produção, da criação do mapa do que vou fazer, embora ao começar a fazê-lo me aperceba de que terei de mudar tudo. Depois vem a rodagem: recolher os elementos com os que será feito o filme. Então, enquanto escrevo, atravesso camadas e camadas de profundidade, e começo a modificar as coisas. É nessa fase que me pergunto: ‘E se mudar a linguagem e o estilo?’ Aí crio o problema, que para o leitor há de ser invisível: ele há de ler como água, tudo tem de lhe parecer fácil. Mas para isso é preciso muito trabalho.”