É sob o signo da distância que o filme começa, aterrando numa escola de pintura para raparigas na França do séc. XVIII, onde uma jovem professora vai instruindo as suas alunas, enquanto posa para elas. A descoberta, na sala, de uma tela outrora pintada pela professora, desencadeia um flashback que nos transportará com ela até uma ilha da Bretanha. Aí, a protagonista instalar-se-á numa mansão para levar a cabo a missão da qual foi incumbida por uma condessa italiana: a de pintar, em segredo, o retrato da sua filha, que — contra sua vontade — foi prometida em casamento a um aristocrata milanês. Para furtar a imagem de uma modelo que recusa posar, ela far-se-á passar pela sua dama de companhia, passeando com ela durante o dia, e aproveitando as noites para forjar o retrato.
Eis a base de um filme que condensa para intensificar, reduzindo ao mínimo o elenco e o seu espaço-tempo (o grosso da ação decorre na mansão, ao longo de um par de semanas), para melhor analisar a relação das duas mulheres. Neste quadro, é notável verificar o modo como o gradual afunilamento da escala visual (os planos médios, em flirt com a pintura naturalista da época, vão sendo cada vez mais intervalados por grandes planos) traduz a crescente intimidade das personagens, que cedo se tornam cúmplices: a modelo aceita posar para a pintora, após esta destruir o primeiro retrato que dela fez.
Essa amizade prepara um romance homoerótico que, arrancando embora em lume brando, depressa se incendiará. Na sua descrição, o que é magnífico é a forma como a criação do retrato corresponde à aproximação das amantes: quanto mais elas superam a distância entre pintora e modelo, mais a obra ganha vida. É certo que Sciamma abusa do simbolismo — seja ele sensível (a imagem e o som do fogo), seja ele literário (o mito de Orfeu) —, mas esse investimento nunca perturba a verdade emocional do filme, cujo epílogo comete a proeza de nos oferecer um corpo que verte lágrimas em chamas. Sublime.