Eu sei que no cinema, tudo (enfim, quase tudo...) é mentira. Ou, pelo menos, é fingimento, faz de conta, artifício. Mas, no cinema que eu amo e que gostaria que toda a gente amasse, há sempre uma espessura qualquer de verdade - e não me refiro apenas àqueles instantes exemplares, como o da Debbie Reynolds, no termo de um número musical de "Serenata à Chuva", que ao cair sentada, puxa a saia para baixo e, de repente, como notava Truffaut, era apenas uma rapariga que não queria que lhe víssemos as cuequinhas.
Refiro-me, para nos centrarmos no que aqui mais interessa (o filme chama-se "Le Mans '66: O Duelo" e tem, portanto, o seu eixo nas corridas de automóveis) às cenas capitais em que a competição Ford/Ferrari melhor se espelha. São todas fabricadas em digital (e nota-se...) provocando uma sensação de descrença no que vemos. São desenhos animados - e pronto: não é para levar a sério. A adrenalina que sentíamos subir pela espinha quando víamos as perseguições automóveis de "Os Incorruptíveis Contra a Droga" (Friedkin, 1971) ou as corridas de "Le Mans" (Katzin, 1971) aqui nem assoma porque não vemos bólides a rugir motores, vemos bonecos.
O resto, a história dos mecânicos/ pilotos que sentem o carro como se fosse um prolongamento do corpo e são capazes de encontrar o remédio certo ou a estratégia de condução justa para que ele cumpra o que só eles sabem que ele pode dar, isso é astúcia de argumento e jeito dos atores (Matt Damon, Christian Bale). A espessura da verdade também pode estar aí, nas rugas de Bale que dão ao seu rosto os traços de um rosto vivido (e suor, cheiro a gasolina e a óleo de motores, sim...).
Mas os carros têm de ter peso e ronco, num filme destes temos quase de os palpar. E neste filme não chegamos nem perto, o digital plastifica tudo e dá-nos um encontrão definitivo.
LE MANS '66: O DUELO
De James Mangold
Com Matt Damon, Christian Bale, Caitriona Balfe (EUA/França)
Drama biográfico M/12