Cultura

Souto Moura apela à união das instituições para permitir melhor divulgação da arquitetura moderna

Na cerimónia de doação do seu acervo à Casa da Arquitetura, o Prémio Pritzker diz ter encontrado ali o espaço ideal para a recolha, sistematização e estudo da sua obra

O arquiteto Eduardo Souto de Moura, à esquerda, cumprimenta Nuno Sampaio, diretor executivo da Casa da Arquitetura durante a cerimónia de assinatura do “Contrato de Depósito do Acervo Eduardo Souto de Moura na Casa da Arquitetura” em Matosinhos
ESTELA SILVA/Lusa

Numa intervenção de improviso e descomprometida, Eduardo Souto Moura afirmou na tarde desta sexta-feira, na cerimónia de assinatura do protocolo de cedência do seu acervo à Casa da Arquitetura – Centro Português de Arquitetura, que aquele poderia ser “ser um dia triste”, mas não será. Na verdade, prosseguiu, “é um dia especialmente feliz, pela satisfação de ver reconhecido um trabalho, uma vida difícil”, não a sua, mas a de todos os arquitetos.

Perante a Ministra da Cultura, Souto Moura frisou ter optado pela CA “porque primeiro seduziu-me o facto de não existir e ter de ser feito. Gosto de participar na criação das coisas”. Depois por ter verificado que “as outras instituições são autênticos jazigos. Lamento que o arquiteto Távora esteja encerrado. Nunca vi uma exposição sobre Távora. É uma personagem única”. De igual modo nunca viu uma verdadeira grande exposição do arquiteto Teotónio Pereira. Instituições como a Fundação Marques da Silva, a Gulbenkian, o Forte de Sacavém, sugeriu, “não devem ser depósitos. Devem ser fatores de criação de novos fenómenos e promoção da arquitetura”.

Antes da cerimónia, e em conversa com o Expresso, Souto Moura dizia ser “fundamental fazer uma exposição sobre a origem da arquitetura moderna, ou a consolidação, não bairrista, sobre a arquitetura do Nuno Teotónio Pereira e de Fernando Távora. O Távora é muito importante para o Porto. Os dois são importante para nós. Não é por acaso que o Teotónio Pereira telefonou ao Távora, há 40 ou 50 anos e combinaram um almoço para se conhecerem. Se calhar é a partir desse momento que a arquitetura portuguesa começa a ser conhecida. Porque eles os dois eram muito bons”.

Importa, porém conhecer o que aconteceu para trás. O que os levou a encontrarem-se e o que aconteceu para futuro. “Tem de haver uma troca entre instituições, entre a Gulbenkian , onde está o arquivo de Teotónio Pereira, e a Fundação Marques da Silva, onde está o arquivo de Fernando Távora, que no fundo são arquivos fechados”.

Quanto ao que estava prestes a entregar, o Prémio Pritzker falou dos 8 mil desenhos para os quais já não tem espaço. Além de que, acrescentou, “há tanta gente, estudantes a irem todos os dias ao meu escritório, a fazerem teses. Não tenho, nem espaço, nem disponibilidade”.

A Casa da Arquitetura, afirmou ainda ao Expresso, “já deu provas de que tem boas instalações, tem boa programação e tem uma coisa que em Portugal não há, que é dinheiro. Além de que faz coisas”.

Nesse sentido, não tem qualquer problema em depositar ali o património. “É uma forma de estar mais disponível para estudo. É isso que interessa. Penso que o futuro dos museus não é ter coleções. Não há dinheiro que chegue. O futuro é misturar as coisas e fazer temas.”

No trabalho de sistematização feito o arquiteto confrontou-se com desenhos dos quais já nem tinha memória. Reencontrou os comentários de Álvaro Siza a esses desenhos feitos numa altura em que trabalhavam juntos.

O que há li de mais particular, concluiu “é o que me tenho divertido a mostrarem-me desenhos de que já não faço ideia, porque os desenhei há 40 anos e observações de outras pessoas, fundamentalmente do Siza, quando trabalhávamos juntos, em que ele faz anotações com o seu espírito de humor”.

O protocolo foi assinado com o diretor executivo da CA, Nuno Sampaio, que fez um pequeno historial do processo que conduziu à instalação da Casa da Arquitectura nas antigas instalações da Real Vinícola e apresentou alguns dos projetos de futuro relacionados com a grande exposição sobre a obra de Souto Moura a organizar a partir de outubro.