Carta Elétrica

Uma nova bateria elétrica. A mesma assinatura portuguesa

Futuro. Objetivo é que as baterias não usem só lítio. É serem mais pequenas e leves e com maior autonomia

E se for preciso apenas sal? As Planícies Salgadas de Bonneville ficam a 1h30 de Salt Lake City, no Utah, um dos Estados mais interiores dos EUA, a mais de 800 km do mar. Mas o nome não é metafórico, existe mesmo sal ali no chão. Grossos cristais de sal que se espalham por uns imensos 12 mil hectares e que provam que o sódio, que está ser estudado para substituir o lítio nas baterias elétricas, não existe apenas no mar. Aliás, há outros exemplos, como as minas de sal no Paquistão e na Suíça, o deserto de sal da Colômbia ou as salinas no Peru
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Sal. Um quilo custa, no máximo, 40 cêntimos no supermercado e é um produto que está por todo o lado: no mar, que ocupa quase 70% da superfície terrestre, e em terra, em zonas interiores que já estiveram cobertas de água salgada. Como as Planícies Salgadas de Bonneville, nos EUA, as salinas de Maras, no Peru, ou as minas de Kehwra, no Paquistão, de onde vem o sal rosa dos Himalaias. “Não há nada mais abundante”, diz ao Expresso Maria Helena Braga, professora e investigadora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), que está a desenvolver dois novos tipos de baterias elétricas, uma das quais utiliza sódio, o principal constituinte do sal, e um metal alcalino, como o lítio, usado nas baterias atuais. Ou seja, não só “tem características semelhantes ao lítio”, diz Manuel Reis, da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), como é mais barato, mais abundante e mais acessível, acrescenta Maria Helena Braga. Até os outros elementos usados nesta bateria são de “fácil acesso e mais baratos”: oxigénio e cloro, ou seja, hidróxido de sódio ou, de forma ainda mais simples, soda cáustica, também de uso comum na indústria alimentar.

Ora, usando elementos mais acessíveis e baratos o custo das baterias — que são a parte mais cara do veículo elétrico — desceria e eliminar-se-ia um dos maiores entraves à mobilidade elétrica: o preço dos carros. Segundo Manuel Reis, “desde 2011, quando apareceram os primeiros elétricos, o preço final de venda baixou pouco. Por exemplo, um Nissan Leaf de 2011 custava €33 mil e em 2018, €29 mil. Todo o ganho que se fez foi dirigido para a melhoria das baterias, cuja capacidade mais que duplicou ou triplicou”, porque é esse outro dos entraves a esta indústria. De facto, há 10 anos as autonomias não ultrapassavam os 200 km, mas hoje a média são 400 km e já há carros com 700 km. Isto faz com que, neste momento, o custo de produção das baterias ainda seja de €100 por quilowatt hora (kWh), mas “para ter paridade de preço com os carros a combustão o custo deveria ser de €50/kWh”, diz Manuel Reis.

As outras vantagens

A bateria de sódio que Maria Helena Braga está a desenvolver tem outras vantagens, que permitem baixar os custos sem comprometer a autonomia, pelo contrário. É uma bateria que “não usa ânodo nem cátodo” e, por isso, é mais pequena e mais leve, permitindo maior autonomia. E “como o ião sódio gosta de calor, não é preciso sensor de temperatura, que é das partes mais caras do carro, e também não é preciso sistema de refrigeração nem proteções de bateria, como acontece nas tradicionais de ião lítio, que podem aquecer muito e explodir”, explica. Aliás, a outra bateria que esta investigadora portuguesa está a desenvolver — e que está bem mais avançada — também tem algumas destas características. Ainda usa algum lítio, mas é uma bateria de estado sólido, ou seja, o eletrólito onde a energia circula não é líquido, como nas atuais, o que também faz com que seja mais pequena, tenha mais capacidade e maior autonomia. Além disso, a condução de energia dentro do eletrólito sólido é mais rápida e, portanto, o automóvel carrega mais depressa. E como não tem líquido — que é inflamável —, também não precisa de proteção e não corre o risco de explodir. “O inventor da atual bateria de lítio explodiu umas quantas baterias no seu laboratório”, conta.

A investigadora portuguesa e John Goodenough são amigos e colegas de trabalho por causa desta bateria de estado sólido, que despertou o interesse do professor norte-americano da Universidade de Austin, no Texas, e desde 2019 Nobel da Física. “Começou tudo em Portugal, em 2015. A tecnologia é portuguesa”, conta. Mas em 2016 mudou-se para Austin, onde esteve até 2019 a trabalhar com John Goodenough. “Temos três patentes registadas nos EUA”, salienta. Agora está em Portugal e mais bem equipada, porque “ele doou 500 mil dólares para o laboratório”. O que ajuda, porque “ainda falta investigação”.

As baterias de estado sólido e as baterias de sódio já reuniram o consenso da comunidade científica, porque permitem baixar os custos e porque “o lítio não vai chegar para todas as necessidades mundiais”, diz Maria Helena Braga. É que a produção de carros elétricos está a crescer (ver caixa de pontos) e o lítio que sobrar pode estar só em zonas de difícil extração. Contudo, Manuel Reis salienta que “o lítio pode ser reutilizado, porque não acaba, não arde como o petróleo e pode ser retirado das baterias antigas e ser usado em baterias novas, o que até pode ser mais barato do que extraí-lo”. E o mesmo é válido para outros minérios, porque “todos eles são recicláveis”, diz o presidente da UVE, Henrique Sanchez. Além disso, “as baterias podem ter uma segunda vida. Usam-se 10 anos no carro e depois ainda podem ser usadas por mais 20 anos como baterias estáticas”, para armazenar a energia produzida numa instalação solar de uma casa, escritório ou fábrica, remata, defendendo que por isso não se colocam questões ambientais.

Presente e futuro

Lítio As baterias de lítio que se usam hoje são compostas por células ligadas entre si e cada uma delas é composta por um ânodo de grafite, um cátodo de cobalto, níquel e manganês e um eletrólito líquido de lítio.

Sódio As baterias em estudo têm as mesmas células agrupadas, mas no estado sólido, o eletrólito não é líquido, e nas de sódio não há ânodo nem cátodo. Ficam mais pequenas e leves e, por isso, podem agrupar-se mais células e fazer baterias com maior autonomia.

Carros Há marcas que vão produzir as suas próprias baterias. Por exemplo, a VW vai investir €35 mil milhões na construção de seis fábricas de baterias na Europa, mas também em 70 novos modelos até 2030 e na conversão de fábricas para a produção exclusiva de elétricos. E a Volvo, que em 2030 deixa de vender carros a combustão, vai produzir baterias em parceria com a sueca Northvolt.

Vida As baterias elétricas podem durar até 30 anos, ainda que vão perdendo capacidade, ou seja, autonomia, tal como um motor vai perdendo potência e força, explica Manuel Reis, da UVE. Num automóvel, a bateria pode durar uns 10 anos e por isso é que as garantias atuais são de oito anos ou 160 mil quilómetros, “o que é muito mais que um carro a combustão, que tem garantia de dois a quatro anos”, acrescenta.

Textos originalmente publicados no Expresso de 9 de outubro de 2021