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Bairros e colinas: um roteiro pela alma de Lisboa

Cidade das sete colinas, com o Tejo aos pés, Lisboa sabe misturar tradição com inovação. Sempre com um ar castiço e um fado vadio como música de fundo, os bairros históricos são a alma da capital, cada vez mais cosmopolita e surpreendente.

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É graças a Frei Nicolau, que Lisboa tem sete colinas. Ao chegar de barco, o frade olhou a cidade, contou e batizou as elevações: Castelo, São Vicente, São Roque, Santo André, Santa Catarina, Chagas e Sant’Ana. Falhou-lhe uma, a da Graça, ofuscada pela grandiosidade do Castelo de São Jorge, ainda que, curiosamente, seja a mais alta das sete. Historiadores modernos dizem que não, que as contas estão mal feitas, e que Lisboa, não terá, em bom rigor, mais de cinco colinas.

Existem muitas rotas e circuitos que ajudam a descobrir a tradição e a modernidade da capital, a pé, de bicicleta, trotineta, de tuk tuk ou à boleia dos pitorescos elétricos, como o icónico 28, que circula entre o Martim Moniz e Campo de Ourique, mas com especial procura nas ligações à Graça e à Estrela. A Free Bike Tours Lisbon (Tel. 919523068) sugere uma forma equilibrada e livre para percorrer as colinas e os miradouros, a partir de bicicletas elétricas. O passeio, acompanhado por um guia, tem a duração de quatro horas e termina no topo do Elevador de Santa Justa para “um resumo visual da aventura”. Com a empresa Lisboa Autêntica (tel. 913221790), o menu de experiências para descobrir a cidade é quase ilimitado, destacando-se os passeios a pé orientados pelos gostos de cada um: gastronómico, fado, monumentos e até arte urbana, que serve de boa desculpa para rumar até Alfama, um dos mais genuínos bairros da cidade. Aqui, encontra o mural da autoria de VHILS, que representa a fadista Amália Rodrigues. A obra, situada na Rua de São Tomé, foi executada em calçada portuguesa. Neste espírito, marque mesa n’ A Baiuca (Rua de São Miguel, 20), onde ainda se assistem a verdadeiras desgarradas de fado vadio.

Roteiro por Lisboa

Em contraste com a tradição, na Rua do Vigário encontra um dos sinais da nova Lisboa: o restaurante Boi-Cavalo (Tel. 938752355) liderado por Hugo Brito, que apresenta um menu de degustação diário, com uma nova abordagem a produtos considerados convencionais. Faça uma passagem pelo Miradouro de Santo Estêvão e Igreja de São Vicente de Fora, seguindo até ao Panteão Nacional e ao Chafariz d’el Rei, que guarda um palacete convertido em alojamento, com brunch a condizer. Alternativa a considerar, o Memmo Alfama Hotel (Tel. 210495660) capaz de surpreender logo a partir da piscina. O Miradouro das Portas do Sol é incontornável, com a devida animação, bem como a descida até ao Museu do Fado (Tel. 218823470), para ver a exposição permanente e observar o célebre quadro “O Fado”, de José Malhoa.

Miradouro (quase) secreto

No bairro histórico de São Cristóvão, o Mosteiro de São Vicente de Fora guarda uma das mais impressionantes coleções de azulejos da cidade, além do panteão da família Bragança, a quarta dinastia reinante em Portugal. O que poucos sabem é que no terraço deste que é um dos emblemáticos edifícios da capital existe um miradouro, com uma soberba e desafogada vista de 360 gruas para o casario e o Tejo. O mosteiro resulta de uma promessa de D. Afonso Henriques antes da conquista da cidade aos mouros. Pode agendar visitas guiadas com o Patriarcado de Lisboa (Tel. 218885652)

A casa mais antiga de Lisboa tem mais de 500 anos e resistiu ao terramoto de 1755. Localiza-se na Rua dos Cegos, em Alfama, curiosamente, também um dos bairros antigos da Europa. Os especialistas garantem a antiguidade a partir do característico ressalto no primeiro piso da habitação. Na fachada é possível apreciar um painel de azulejos em estilo seiscentista, que terá sido aproveitado com fins decorativos.

Convento de São Vicente de Fora
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Charadas e desafios

Com a Lisbon Walker (Tel. 218861840) prepare o espírito para descobrir Alfama com (quase) todos os sentidos em alerta. Com restrições e condicionalismos associados à pandemia esta empresa organiza diversas atividades para pequenos grupos, com destaque para “Lisboa Sensorial”, em que os participantes são desafiados a descobrir o bairro de olhos vendados. Peddy papers temáticos, charadas e desafios são outras das formas de conhecer os segredos e tesouros da capital. Basta contactar e recebe o guião, um baralho de cartas que indicam as pistas e um mapa de Alfama e do Castelo.

Já para conhecer a Mouraria, o mais multicultural dos bairros lisboetas, o Martim Moniz serve de casa de partida. Passe pelo Largo da Severa, nascido em homenagem à primeira fadista de Lisboa e procure pela arte de Camilla Watson, uma artista que pelas paredes imortalizou os moradores do bairro, com destaque para Fabia Loreti, a mulher que teve mais filhos neste bairro: 21 (muitos ainda vivos). As homenagens à canção de Lisboa são uma constante, como a guitarra portuguesa esculpida num bloco de mármore, na Rua do Capelão, mais conhecida como “a rua do fado”. Não muito longe encontra a Casa Fernando Maurício, um pequeno museu dedicado ao fadista, conhecido como o “Rei da Mouraria”. Ao almoço, não perca a oportunidade de se sentar no popular Zé da Mouraria (tel. 218865436) e respire fundo para enfrentar a enorme travessa de bacalhau com grão e batata a murro. Para uma abordagem exótica do grande caldeirão gastronómico deste bairro, atreva-se nos sabores moçambicanos do Cantinho do Aziz (Tel. 218876472) ou na esplanada improvisada nas escadinhas do espaço The Food Temple (Tel. 218874397). Espreite as lojas, onde tudo se vende, do utilitário ao étnico.

Elétrico 28
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Escolha, a seguir, por onde quer subir para o Bairro da Graça. Há três entradas, uma junto ao Convento da Graça, outra na Calçada do Monte e, outra, nas Olarias, na Mouraria. Descanse no Jardim da Cerca da Graça, o maior da zona histórica, com quase dois hectares de espaço verde. No Miradouro da Graça, agora com o nome de Sophia de Mello Breyner Andresen, tenha uma das melhores vistas da cidade, que pode também ser absorvida a partir do novo 9B, o restaurante de fine dining que nasceu no interior do clássico (renovado) Via Graça (Tel. 218870830). Perto da Vila Berta, que recorda os tempos do operariado, descubra que, afinal Lisboa tem ainda outra colina. Trata-se da Oitava Colina, uma fábrica e marca de cerveja artesanal com um tap room no 8A da Rua Damasceno Monteiro. Na descida da Voz do Operário, sinta o pulsar da contra-cultura no Damas, que é restaurante, bar e sala de concertos. Corte caminho até à Feira da Ladra, onde objetos usados passam de mão em mão todas as terças-feiras e sábados. Símbolo de nova abordagem gastronómica no bairro reserve mesa no Plano Restaurante (Tel. 933404461), liderado por Vitor Adão.

Bairros e Colinas de Lisboa
José Fernandes

É tempo de partir para o centro da cidade. Mas aproveite e desça pela rua Câmara Pestana até ao Largo da Anunciada, num dos quatro elevadores da cidade. O Ascensor do Lavra é o mais antigo. Foi inaugurado em 1884. Com uma paragem rápida na Rua das Portas de Santo Antão para conhecer a Ginjinha Sem Rival, atravesse os Restauradores para embarcar no Elevador da Glória rumo ao Bairro Alto. Lá em cima aproveite uma das melhores vistas da cidade, a partir do Jardim de São Pedro de Alcântara ou, num plano superior, desde o terraço do The Insolito (Tel. 213461381). Em direção ao Chiado, faça um desvio pela Rua Nova da Trindade, uma das ruas azuis da cidade. Entre, primeiro, na mítica Trindade (Tel. 213423506), a mais antiga das cervejarias nacionais, e depois, quase na porta ao lado, no Bairro do Avillez (Tel. 215830290). Na zona de Lisboa mais boémia e animada (Chiado/Bairro Alto) quase todas as portas e montras guardam surpresas. Prove o pastel de nata da Manteigaria (Rua do Loreto, 2) e faça, depois o percurso pelo Elevador da Bica, que o leva ao Cais do Sodré, mais precisamente à Rua de São Paulo. Na noite anterior carregue o telefone porque vai passar pela rua mais fotografada da cidade, a rua da Bica de Duarte Belo, e prepare-se para entrar num mundo à parte da cidade. Os bares sucedem-se e, neste verão, aproveite para ver (e fotografar) os chapéus coloridos na Rua Cor de Rosa, que tem o nome de Rua Nova do Carvalho, num projeto de Isabelle Essad, do Restaurante & Bar Rio Grande (Tel. 213423804).

Galeria do Loreto
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Marvila
É o bairro de indústria criativa. Repleto de contradições, ali convivem associações e clubes antigos juntamente com hubs, coworks, academias de novos desportos, restaurantes alternativos. É talvez por isso tão arrebatadoramente atraente. A Dois Corvos é uma de muitos exemplos.

Tasca da Esquina
Abriu portas no dia de Santo António de 2009. A Tasca da Esquina (Rua Domingos Sequeira, 41C. Tel. 919837255)
, de Vítor Sobral, foi um dos espaços que ajudou a fazer renascer Campo de Ourique, um dos bairros mais invejados da cidade.

Galeria Subterrânea
Com alguma regularidade, o Museu da Água (Tel. 218100215) organiza visitas guiadas à Galeria Subterrânea do Loreto (marcação obrigatória), uma das cinco que integrava o sistema Aqueduto das Águas Livres. A sua extensão, totalmente enterrada, era de 2835 metros (termina no Largo de São Carlos). Visitável está o troço entre a Casa do Registo, contígua à Mãe d’Água, nas Amoreiras, e o Miradouro de São Pedro de Alcântara, com cerca de 1,6 km de extensão.

Este artigo foi adaptado do Guia de Verão - Lisboa, oferecido com o Expresso, a 9 de julho de 2021.

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