&conomia à 6ª

Puxar pela criatividade

Os incentivos monetários e não monetários são, para muitos trabalhadores, uma fonte de motivação e de promoção da cultura corporativa. O retorno dos incentivos não é, no entanto, sempre fácil de inferir. Por exemplo, o resultado de uma nova ideia pode estar oculto num processo produtivo ou ser de tal forma intangível que não afeta de forma observável o lucro da empresa. Por sua vez, os custos associados aos incentivos, nomeadamente os gastos com prémios monetários, são fáceis de calcular. A aparente disparidade entre custos e benefícios, sobretudo em tarefas onde a produtividade é menos mensurável, faz com que se subestime a importância dos incentivos económicos.

Mais, em tarefas onde a criatividade é crucial, não é claro qual o efeito dos incentivos económicos. Por um lado, existe a noção que os artistas, os criativos das empresas e também os investigadores académicos, produzem ideias e estão intrinsecamente motivados para processo criativo, não necessitando de incentivos extrínsecos diretos. Há mesmo quem ache que os incentivos servem apenas para “puxar a carroça” dos trabalhadores que, infelizmente, não têm o privilégio de trabalhar naquilo que gostam. Para os outros, os incentivos monetários, são prémios agradáveis, que podem aumentar a satisfação no trabalho, mas com um efeito mínimo na produtividade. Por outro lado, a psicologia social e alguns estudos experimentais têm corroborado a ideia que os incentivos económicos podem ser contraprodutivos porque destroem a motivação intrínseca. Por exemplo, um artista plástico não gostaria de ver a sua produção artística associada à existência de um prémio monetário para tal, mas antes como resultado exclusivo da inspiração que nasce independentemente de compensações monetárias.

Um artigo muito recente, de Gary Charness, da University of California Santa Barbara e de Daniela Grieco da Bocconi University, vem contrariar a ideia de que os incentivos à criatividade são totalmente desnecessários ou contraprodutivos, mas ressalta que é importante perceber que tipo de criatividade se pretende fomentar. No estudo, foi uma realizada uma experiência laboratorial que envolveu 328 participantes que receberam, aleatoriamente, uma tarefa “fechada” ou “aberta” para desempenhar. As tarefas fechadas, apesar de apelarem à criatividade, tinham parâmetros e objetivos bem definidos. Neste caso, os participantes foram instruídos a criar uma história usando uma série de palavras que lhes foram facultadas. Ou, tiveram de chegar a um determinado número usando pelo menos duas operações matemáticas. Nas tarefas abertas os participantes foram solicitados a imaginar uma invenção ou a descrever uma sociedade futura, imaginária. Cada tarefa teve de ser desempenhada no máximo em 20 minutos.

Para além do tipo de tarefa, os participantes foram também aleatoriamente distribuídos por três condições diferentes no que respeita aos incentivos económicos:

1) Avaliação pelos pares e pagamento dependente da qualidade do trabalho. Nesta condição os participantes foram distribuídos por grupos de cinco e o trabalho de cada um foi avaliado por cinco membros de um outro grupo. Em cada grupo, o participante com melhor qualificação recebeu 15 dólares, o segundo melhor, 12 dólares, o terceiro, quarto e quinto classificados receberam respetivamente 9, 6 e 3 dólares.

2) Avaliação pelos pares e pagamento fixo. À semelhança da condição anterior, nesta condição, a qualidade de trabalho foi também avaliada por cinco membros de outro grupo, mas cada participante recebeu um pagamento fixo de 9 dólares.

3) Inexistência de avaliação pelos pares e pagamento fixo. Nesta condição de controlo, o trabalho dos participantes não foi hierarquizado e estes receberam um pagamento fixo de 9 dólares pelo desempenho da tarefa. Houve no entanto uma avaliação por juízes externos que desconheciam as diferentes condições experimentais.

Os resultados mostram que, nas tarefas fechadas, os incentivos monetários funcionam. Os participantes com melhor avaliação para a criatividade foram os que estiveram na condição Avaliação pelos pares e pagamento dependente da qualidade do trabalho. O facto de disputarem um prémio monetário levou a que os participantes se empenhassem mais para serem criativos na tarefa fechada. No entanto, para tarefas abertas, onde a criatividade era mais livre, o sistema meritocrático, através de pagamentos diferenciados, não se refletiu em pontuações mais altas para a criatividade, por comparação às condições com pagamento fixo.

Um outro resultado, interessante, advém da comparação das duas condições com pagamento fixo. Nestas, o que variou foi a existência ou não de uma avaliação pelos pares. Os participantes reagiram positivamente à antecipação desta avaliação. Ou seja, o facto de saberem que seriam avaliados por outros participantes estimulou a criatividade, quer nas tarefas abertas, quer nas fechadas. Este resultado vem reforçar o que outras experiências laboratoriais e de campo, na área da psicologia social e da economia comportamental, vêm a revelar: nós, apesar de seres ambiciosos, preocupamo-nos com o que os outros pensam de nós. Este resultado mostra também que para além de incentivos monetários formais, há incentivos informais que podem ser considerados na promoção da criatividade.

A criatividade é o grande motor da investigação científica. Alimentando grandes ideias, a criatividade é também o principal mecanismo para a inovação, desafia o modo de pensar dos trabalhadores, e abre as portas para novas oportunidades de negócios. É então fundamental perceber como fomentar a criatividade em diferentes contextos e tarefas, perceber quais os incentivos formais e informais que melhor puxam pela criatividade.

Estudos laboratoriais, como este, dão um importante contributo, porque isolam, num ambiente controlado, expurgado de tantos outros fatores, a influência de determinados mecanismos que se pretendem testar. Estes laboratórios experimentais permitem estudar o comportamento económico e social de grande valor para o sector público e privado. E é então, com uma enorme felicidade e expetativa, que informo, que o XLAB – Behavioural Research Lab – sediado no Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa, será inaugurado no dia 6 de maio, impulsionando a investigação científica e aplicada, em Portugal.

O XLAB, onde se realizarão experiências e inquéritos, faz parte do consórcio PASSDA que promove a recolha de dados sobre comportamento económico, político e social e tem como equipa executiva Joana Pais e Sandra Maximiano do ISEG e Rui Costa Lopes do Instituto de Ciências Sociais.

Charness, Gary and Grieco, Daniela (2019). Creativity and Incentives. Journal of the European Economic Association, Volume 17, Issue 2, April 2019, Pages 454–496.