No passado sábado, estive como oradora na 2.ª edição do Lisboa Financial Forum, num painel, sobre “a importância dos mercados financeiros e do humanismo na economia e na competitividade”*. Para muitos, falar em humanismo nos mercados financeiros é tão antagónico que só pode ser comédia. Para uma grande maioria dos cidadãos, os mercados financeiros são meramente fontes de extração de valor onde agentes gananciosos não têm pudor em quebrar regras, violar leis e comprometer princípios éticos.
É verdade que atuar num mercado extremamente competitivo não é para todos e que este contexto é mais atrativo para agentes que, em geral, exibem menores preferências sociais. Este efeito de seleção tem sido estudado em algumas experiências laboratoriais e de campo. Importa, no entanto, ressaltar que estas experiências não têm apenas demonstrado que ambientes competitivos atraem “almas menos bondosas”, mas que estes ambientes têm também a capacidade de alterar o comportamento daqueles que em outros contextos exibem preferências mais sociais. Ou seja, indivíduos aparentemente altruístas, recíprocos, que mostram uma aversão elevada à existência de desigualdades e uma preocupação com o bem-estar dos outros, são capazes de alterar o seu comportamento em ambientes extremamente competitivos e focarem-se exclusivamente numa maximização cega do lucro. Este facto coloca um desafio fundamental para a criação de mercados financeiros mais humanistas. Mais do que fomentar preferências sociais e morais dos agentes que atuam nestes mercados, é preciso alterar a noção de competitividade, modificando o objetivo principal dos agentes.
No sector financeiro, o “valor para o acionista” e “maximização do lucro” continuam a ser os principais critérios de investimento. No entanto, novas tendências de investimento são necessárias como resultado de mudanças globais e novas formas de pensar. Os investidores, hoje mais informados, começam a procurar critérios para além do retorno financeiro puro. Há cada vez mais a necessidade de serem criados outros objetivos, repensar o conceito de ativos intangíveis e a forma de os contabilizar e de investir neles.
Há a necessidade de, consistentemente, considerar dois grandes objetivos para além da maximização do lucro: a sustentabilidade ecológica e o bem-estar dos indivíduos. Estes objetivos têm de ser cada vez mais intrínsecos e não impostos como restrições. O papel dos reguladores é então fundamental e mais desafiante. Para estes, importa não só garantir que estes elementos não são descurados, mas também criar e apoiar estratégias que fomentem o desenvolvimento destes objetivos intrinsecamente, quer nos agentes que mais direta ou indiretamente participam nos mercados financeiros, quer nos agentes que são afetados pelas decisões tomadas nestes mercados.
Não basta reconhecer a importância da sustentabilidade, de aspetos ecológicos e éticos para o futuro das sociedades globalizadas. É imprescindível também incluir a noção de cultura e educação nos conceitos mais mainstream de sustentabilidade. Há que relembrar que a cultura é, por definição, a dimensão do comportamento na esfera social que é passada de geração para geração. A cultura é, sem dúvida, um fator decisivo na criação de soluções para a sustentabilidade. Mudar atitudes está dependente de estratégias mais proativas de alteração dos valores a longo prazo. A mudança de paradigma para um capitalismo mais humanista não passa somente pela criação de empresas mais inclusivas que se preocupam com a sustentabilidade. Por exemplo, não basta alterar o uso de fatores produtivos para “fatores mais amigos do ambiente” e que garantem condições mais justas de trabalho - fair trade, mas é preciso ir mais longe e promover uma educação para a sustentabilidade. Ou seja, não basta apenas fomentar maior transparência e dar mais informação aos consumidores e investidores para que estes possam tomar decisões mais informadas, mas há que educar para que a sustentabilidade passe a ser um objetivo intrínseco e inabalável seja qual for o contexto competitivo em que os agentes se inserem.
Mas para acreditar que economia pode ser mais humanista, que os mercados financeiros criam valor e que a distribuição pode ser mais justa, é preciso, antes de mais, restabelecer a confiança nos mercados financeiros e nas instituições em geral. E aqui coloca-se um outro grande desafio. Décadas de políticas neoliberais e a crise financeira exacerbaram desigualdades e deram espaço para o surgimento de governos mais populistas que alimentam uma hostilidade face às instituições. Estes governos crescem em popularidade através da fomentação de maior desconfiança. As empresas e os investidores têm, então, uma importante responsabilidade em mãos: combater o populismo. Não me parece que haja grandes alternativas viáveis a não ser com um paradigma mais humanista.
*Este painel contou também com a participação da Isabel Neves, Marco Silva, Ricardo Evangelista e Stephen Morais.