O paradoxo de se ser muçulmano hoje em dia tem que ver com a dificuldade de, por um lado, defender 'princípios do islão', e ao mesmo tempo, desconhecer quase tudo sobre sua a história e culturas. É por isso que vemos grandes aberrações e contradições nos seus comportamentos e atitudes perante o mundo, assim como nas relações de género. Creio que o fenómeno não deva ser exclusivo a crentes muçulmanos, mas também aos de outras fés monoteístas, que fazem tudo 'como deve ser', mesmo desconhecendo a essência e os fundamentos de cada uma destas religiões, seja do islão, do judaismo ou da cristandade.
Decidi por isso, usar este espaço de comunicação, para também deixar algumas notas sobre questões comuns para as quais darei respostas menos vulgares.
Vem esta a propósito de tomar conhecimento de que o restaurante indiano que mais aprecio (o melhor que por aí está), ter sofrido de publicidade negativa. Motivo: sendo de Hindus, a carne aí consumida não é halal! Resultado: muçulmanos que se prezam não devem ai comer, ou ser vistos a comer, e por isso, os donos viram muitos dos seus bons clientes desaparecer.
A raíz da palavra halal refere o que é permitido e opõe-se ao que é proibido (haram). Tal como em muitas outras tradições religiosas, o que está implícito aqui é a diferenciação entre o sagrado e o profano, e as coisas que um crente deve fazer ou evitar, por forma a seguir a ética Islâmica. O conceito de halal, e é isto que muitos muçulmanos desconhecem, banalizou-se no uso relativo ao consumo de carne. Todavia, o conceito de permissão ou halal refere-se a muitas outras dimensões da vida do crente.
Curiosamente, halal é empregue em 7 ocasiões como uma categoria legal numa expressão negativa que significa 'ser ilegal', com referência à mulher, ao casamento e ao divórcio: por exemplo, em 2.230: 'Se ele se divorciar dela, ela não lhe pertencerá legalmente (la tuhillu) depois disso, até que se case com outro marido'. Em 12 ocasiões halal refere-se a coisas permitidas, nomeadamente tipos de alimentos. Em 8 ocasiões halal é usado para referir as coisas boas e que nos tornam boas pessoas. Halal também é usada para indicar o abandono da santidade do peregrino, e no versículo 5.2 aos peregrinos é ordenado que 'não profanem os caminhos traçados por Deus nos meses sagrados'.
O que é facto, como diz Oliver Leaman, na sua The Qur'an: an encyclopedia, é que o conceito Halal não se tornou o termo preferido pelos muçulmanos para o comportamento ético, tornando-se assim algo restringido a qualidades de entidades, ao invés de se referir aos reflexos dos nossos actos. A palavra acabou por se confinar à ideia do que é permitido, especialmente no que respeita à dieta alimentar e ao abatimento ritual de animais, ficando com uma função paralela à forma como se usa a palavra Kosher no vocabulário judeu.
Recordando o cliente muçulmano devoto, que pediu a um taxista europeu para deixar de tocar música no automóvel porque no tempo do Profeta não se ouvia música enquanto se viajava, e que foi expulso pelo taxista para ir então procurar um camelo, questiono-me se os que só comem halal, no sentido em que hoje a maioria entende a expressão, se vão passar a deixar os seus iphones, ipads e macdonald's, para não dizer deixar de fazer outras coisas humanamente ainda menos aceitáveis.
O islão e os muçulmanos, grosso modo, seriam hoje gente muito à frente se realmente fizesse a exegése dos textos sagrados, em particular à luz da modernidade, onde de resto, já esteve em tempos. Considerando que não temos de 'apanhar' um camelo em vez do taxi ou do avião, ainda vamos a tempo de o fazer.