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Gisela João: “Cresci a ver a minha mãe, uma mulher do caraças, sair de manhã para trabalhar na fábrica, chegar a casa e cozinhar para sete”

Porque a liberdade é tão essencial como frágil, Gisela João gravou “Inquieta”,
álbum com canções de José Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho. “Fiquei grávida deste disco, sem saber”, diz ao Expresso, ao mesmo tempo que enaltece a importância, na sua formação, das mulheres, força motriz de Barcelos, cidade com um forte tecido fabril: “Detesto aquela expressão da ‘mulher guerreira’. Não é guerreira, é necessidade. Alguém tem de fazer”

Fotografias Manuel Abelho

São quase onze da manhã, no último dia de janeiro, e o sol de inverno beija a varanda onde Gisela João trabalha. Por “trabalho” tanto podemos referir-nos aos saquinhos onde borda a frase “guarda amor”, aos cadernos em cujas páginas rabiscou dissertações sobre aquilo que quer do seu novo disco ou aos biscoitos de canela que partilha com quem se dirige àquele quinto andar luminoso para falar sobre um álbum que é membro de pleno direito da sua discografia. As dúvidas quanto ao estatuto de “Inquieta”, hoje nas lojas, partem da própria artista: será que, por ser um conjunto de versões de José Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho, este ‘filho’ é-o menos que os irmãos mais velhos (três impolutos álbuns de fado, lançados entre 2013 e 2021)? A questão cutucou-a durante algum tempo, até que a resposta se revelou com nitidez: ainda que tenha tido uma gestação particular, começando por gatinhar nos palcos e só depois chegando a disco, “Inquieta” é o novo álbum de Gisela João, com muito orgulho da sua autora. De linha e agulha na mão, ela explica: “Eu estava a começar a gravar um disco. E parei e gravei este. Parecia aquelas pessoas que ficam grávidas e não sabem”, brinca. “Fiquei grávida deste disco, sem saber.” A semente havia sido plantada nos concertos que deu nas celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, com canções dos autores de intervenção que mais a inspiram, e brotou em disco quando a minhota percebeu que o seu motor mais importante, a palavra feita poema, ronronava forte nesta ideia. “Sinto-me orgulhosa por poder homenagear estas canções, estes poemas que são tão importantes e tão portugueses. Este disco faz parte da minha carreira com todo o seu ser.”