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Sérgio Godinho recorda Fausto: “Após o 25 de Abril, quando ouvi ‘O Namoro’ disse logo: ‘quero essa!’ Em geral, eu cantava as minhas canções”

Um perfeccionista na guitarra acústica, um autor que criou um estilo e uma estética únicos, alguém que fez canções que davam vontade de cantar. Uma inspiração que deve continuar a influenciar os novos músicos portugueses. As palavras de Sérgio Godinho sobre Fausto Bordalo Dias, que morreu esta segunda-feira, aos 75 anos

"3 Cantos" no Campo Pequeno, LisboaJosé Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto22 Outubro 2009
Rita Carmo

A relação era intermitente, não se viam sempre, mas o reconhecimento de dois grandes artistas estava lá e quando se pede a Sérgio Godinho que fale sobre o legado de Fausto, cuja morte foi conhecida esta segunda-feira, as palavras surgem com facilidade e fundamentação. Não são palavras à toa, é admiração mesmo.

Partilharam ambos o palco em conjunto numa “aventura essencial”, em espetáculos que reuniram também José Mário Branco, e que deixaram lastro, como ficaram as influências de “Por Este Rio Acima”, uma “obra maior da Música Popular Portuguesa, seja lá o que isso for".

“O legado é muito grande porque Fausto construiu um corpo de canções, com um estilo tão vincado e com uma personalidade tão própria, que, embora muita gente tenha sido influenciada por ele, o Fausto é único”. É assim, num resumo forte que Sérgio Godinho se refere ao trabalho do autor que partiu aos 75 anos. Para completar de forma breve: “Ele foi muito importante para a Música Popular Portuguesa, seja lá o que isso quer dizer.”

De tal forma a estética foi ímpar, que, num movimento de coerência, o próprio Fausto permaneceu fiel ao que criara. “Eu sou mais experimentador em várias áreas, mais aberto a influências, a minha obra é mais heterogénea”, confessa Sérgio Godinho. “O Fausto criou um estilo que ele próprio seguiu, cuja obra maior é ‘Por Este Rio Acima’, um disco conceptual, com uma base, como raramente se faz em Portugal, com uma abordagem literária”, explica.

De tal forma ímpar que Sérgio Godinho vê dificuldade em se repetir. “Não é fácil, até porque o Fausto tinha uma guideline do Fernão Mendes Pinto, não acredito que volte a acontecer”, acrescenta.

A relação dos dois era “intermitente”, não estavam sempre juntos, mas dois momentos ficaram como especiais. Primeiro, quando Sérgio Godinho ouviu ‘O Namoro’, com música de Fausto e letra do angolano Viriato da Cruz, e ficou logo com vontade de cantar.

“Logo a seguir ao 25 de Abril, quando ouvi disse logo - ‘quero essa!’, o que não era habitual, em geral eu cantava as minhas próprias canções”, recorda Sérgio Godinho. “Falava da relação de uma forma tão poética, tão romântica, era muito belo e pessoal e quando eu disse que queria cantá-la, ele ficou genuinamente contente e não torceu o nariz", completa.

Até que José Mário Branco lembrou-se que os três deveriam de partilhar o mesmo palco. Demorou, foi sendo adiado, mas os espetáculos aconteceram e foram, segundo Sérgio Godinho, “uma aventura essencial”. Em 2009, em Lisboa e no Porto, foram buscar alguns dos seus músicos de referência - chegaram a ser 18 em cena - e os três nomes maiores cruzaram canções, começando uns as músicas dos outros, numa metodologia classificada por Sérgio Godinho como “intuitiva” e que viria ser repetida mais tarde, quando o cantor partilhou o palco com Jorge Palma.

Agora, fica a mensagem de que é necessário continuar a ouvir o trabalho de Fausto. Sérgio Godinho lembra, por exemplo, da influência que ficou em grupos como Trovante, mas diz que é importante continuar a ouvi-lo, “porque é um universo muito rico”. Além do mais, sublinha, antes de se despedir, “ele tocava muito bem guitarra acústica, era um perfeccionista, tocava melhor do que eu ou do que o Zé Mário [Branco]”.