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Luanda Cozetti sobre Fausto: “Tive o privilégio de o ter a cantar só para mim. E ainda repetia... Eram discos pedidos. Fomos privilegiados”

A cantora brasileira Luanda Cozetti, da dupla Couple Coffee, participou nos espetáculos de celebração dos 40 anos de “Por Este Rio Acima”, em 2022, e recorda agora a vivência pessoal e profissional com Fausto Bordalo Dias, falecido esta segunda-feira. “Um homem como ele é um homem encantado. Não desaparece nunca, muito pelo contrário”

Cortesia Luanda Cozetti

“Estas pessoas são encantadas. O Fausto é uma pessoa encantada”, começa por dizer à BLITZ a cantora brasileira Luanda Cozetti, há várias décadas radicada em Portugal. Luanda, que em 2017 lançou um álbum de versões de canções de Fausto Bordalo Dias (“Fausto Food”, com os Couple Coffee, dupla que mantém com o baixista Norton Daiello), e que participou nos concertos de celebração dos 40 anos de “Por Este Rio Acima” na Aula Magna, em 2022, não esconde as lágrimas ao falar sobre a morte do músico. “É uma perda enorme”, acrescenta.

Para Luanda, o que Fausto Bordalo Dias deixa “não é ausência, mas um preenchimento enorme, porque o Fausto preenche todos os lugares da música popular portuguesa”. Perde-se “a pessoa, de que se pode estar junto, tocar, conversar, tomar um café, falar bobagem”. Mas “o legado dele, a obra dele, ele próprio é único dentro da música portuguesa”. “Em tudo”, salienta. “O que ele nos deixa é principalmente isso: essa honestidade artística, de princípios, com o seu som, com a sua música, com a sua prosa”.

Luanda, que é filha de Alípio de Freitas, jornalista e padre membro da Ação Popular e do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, organizações de combate à ditadura militar brasileira, descobriu Fausto Bordalo Dias em tenra idade, através de José Afonso (que dedicou ao seu pai um tema com o nome deste, presente em “Com As Minhas Tamanquinhas”, álbum de 1976). “Se ele [Fausto] aparecia nas fotos com o Zeca Afonso, eu queria saber quem ele era!”, ri. “Lembro-me de estar em Portugal, ainda adolescente, vinda de férias, e pedir um dinheiro à minha mãe para ir à Valentim de Carvalho comprar o ‘Por Este Rio Acima’. O meu primeiro álbum do Fausto, tinha eu uns dez anos, foi o ‘Um Beco Com Saída’. Ainda por cima ele era um gato!… Aquela voz maravilhosa, sedutora…".

Fausto Bordalo Dias com os Couple Coffee
Cortesia Luanda Cozetti

Com a morte de Fausto Bordalo Dias falar-se-á sobretudo de perda, mas Luanda prefere “pensar que são muitas camadas de ganho”. “Portugal tem um José Afonso, tem um Fausto Bordalo Dias, tem um José Mário Branco. É uma geração brilhante, que deve ser celebrada como uma geração, como nos lembramos no Brasil” de Chico Buarque, Caetano Veloso e companhia. “Têm mesmo que ser celebrados como geração, para dar essa ideia de continuidade. Que é o que temos de fazer: continuar”.

Fausto acompanhou de perto as gravações de “Fausto Food”, “dois anos almoçando e conversando”. O convite para participar nesses espetáculos na Aula Magna “foi inacreditável". “Beliscava-me o tempo todo, para ver se era verdade”, brinca a cantora. “Ele gostava de ensaiar cedo, muito cedo. Toda a gente a reclamar… Ele era muito ‘piadista’, muito contador de histórias, contava-as como ninguém e com um humor enorme. Não me consigo lembrar de nenhuma em particular. Foram muitas!”, garante.

Fausto e Luanda Cozetti
Cortesia Luanda Cozetti

“Costumo dizer que tive o privilégio de ter tido o Fausto a cantar só para mim. O Norton tocou com ele durante um ano, e durante esse ano eu ia aos ensaios, assisti a todos. Fazia questão”, continua. “Às dez da manhã, ele a cantar só para mim, e ainda repetia, [às vezes] eram discos pedidos… Fomos muito privilegiados”.

Assumindo que se sente “atónita” com a notícia - “já chorei muito, ainda não acreditei, porque nunca acreditamos” - Luanda olha também para o futuro. “Pessoas como ele não se vão, ficam em nós. E o ficar em nós é uma grande responsabilidade”, explica. “Principalmente para nós, músicos, artistas. Hoje é um dia muito triste para Portugal, para a música portuguesa, mas só por essa ausência física, do carinho, do afecto, do abraço que não se tem mais, da risada que não se partilha mais… Um homem como ele é um homem encantado. Não desaparece nunca, muito pelo contrário. Vai ficar mais e mais, agora que está liberto da carne, liberto da matéria. Fica mais transcendental ainda”.