Um drone elétrico pousou na sala e o ouvinte prestou-se a uma ainda maior atenção. Não é um som que se espere escutar num espetáculo de fado; pertence ao campo do metal, da eletrónica psicologicamente densa, da vanguarda académica da improvisação livre. Era um drone verdadeiramente elétrico e, sobre ele, Carminho cantou ‘Meu Amor Marinheiro’, a voz descendo até às mais profundas agonias. Minutos antes, havia dito não querer matar a, diz-se típica, tristeza portuguesa: “preciso dela, sou fadista”. Durante este momento, em que a boca se abriu de espanto (a do ouvinte) e de suicídio (a de Carminho), nada mais pareceu importar; aquela tristeza transformou-se em desespero, e esse desespero tornou-a, por assim dizer, em fadista ao cubo. Não foi luz, mas treva visível.
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Carminho ao vivo no Coliseu de Lisboa: não é luz, é treva visível. Pode um concerto ser uma autobiografia?
No primeiro de dois espetáculos no Coliseu dos Recreios, Carminho apresentou os fados que compõem o seu mais recente álbum, “Portuguesa”, e pelo meio contou várias histórias. Duas horas de uma voz incomparável, que até acatou ‘discos pedidos’ e teve o seu ponto alto quando desceu ao mais profundo desespero: Carminho existindo num enorme vácuo, espaço sem impulso, essencial
Paulo André Cecílio (texto), Rita Carmo (fotos)