Já lá vão mais de 20 anos desde que Devendra Banhart - filho de mãe venezuelana e pai americano, cidadão das músicas de todo o mundo - se apresentou aos melómanos com dois discos que tinham tanto de singular como de intrigante ("The Charles C. Leary" e “Oh Me Oh My…”, ambos de 2002). Em 2023, o cantor-compositor, que atua no Coliseu de Lisboa a 7 de novembro e no Theatro Circo de Braga a 8, mal pode acreditar na sorte de continuar a fazer música, apesar dos sacrifícios que tal missão acarreta. Numa conversa longa e livre, falou de tudo um pouco, com a originalidade que lhe é apanágio - e que não se fica pela sua música.
Quando começou a nascer este seu novo disco, “Flying Wig”?
Geralmente começo a escrever um disco novo mal o anterior fica pronto. Por isso, este disco começou quando o anterior chegou ao fim. Aiás, é assim que sei que um disco está feito: é quando estou pronto para começar a escrever novas canções. E eu estive a escrever este disco até ao momento em que começámos a gravá-lo, por isso nada nunca ficou terminado. Andei uns anos a tentar transformar um parágrafo numa frase.
Por falar em frases: este disco foi inspirado por um poema japonês sobre transformar o desespero em esperança. Era a mensagem de que andava à procura?
Essa é a minha interpretação do que o poema diz. O poema é do japonês Kobayashi Issa [autor e sacerdote budista do século XVIII] e diz: “This dewdrop world – Is a dewdrop world, and yet, and yet...”. Para outra pessoa, pode ser sobre ir ao dentista. Não quero dizer que esse é o significado do poema: transformar desespero em esperança, Mas para mim é, sem dúvida! E parece magia, poder fazer isso! Se o conseguires, tens ali um super poder. Não levar as coisas a peito, parece-me um super poder. Eu gosto muito dos filmes de X-Men e dos Avengers, em que cada herói tem os seus poderes. Mas podia haver novas personagens: um não levava as coisas a peito, o outro conseguia pegar no medo das pessoas e transformá-lo em coragem, o outro transformaria o desespero em esperança. Era espetacular. Podiam andar ali com o Wolverine ou o Capitão América.