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Mark Lanegan (1964-2022): “A música que faço não a considero pesada nem leve. Faço-a e ela vai à sua vida. Passa a ser das pessoas” A entrevista à BLITZ, aos 50 anos

Em 2014, quando tinha acabado de completar meio século de vida, Mark Lanegan falou à BLITZ sobre os discos que tinha acabado de lançar e uma antologia de carreira que se avizinhava. E recordou os dias em que trabalhou num armazém e, graças a um amigo, descobriu Nick Drake e Leonard Cohen – influências assumidas da caminhada que emprendeu depois da música “pesada e barulhenta” que fez com os Screaming Trees. Para (re)ler aqui

Mark Lanegan em 2014, aos 50 anos

Entrevista publicada originalmente na revista BLITZ de dezembro de 2014. Mark Lanegan morreu a 22 de fevereiro de 2022.

Gravou um álbum de versões, Imitations, e um disco com o guitarrista inglês Duke Garwood, no ano passado. Tem procurado motivação nesses projetos distintos?
Sim, é isso que me mantém interessado e a fazer discos há quase 30 anos. Procuro sempre algo de novo, que possa despertar o meu interesse. Tenho sido abençoado com a oportunidade de fazer colaborações e é disso que gosto, na música.

No novo disco, volta a usar muitos sintetizadores…
Já começámos a usá-los há alguns discos. Parece-me uma evolução natural. É o cenário em que as canções querem estar, e nós deixamo-las.

É verdade que também usou uma app chamada Funk Box?
Usei-a para criar uns beats numa canção, mas também usámos bateria normal. No que toca a tecnologia, uso o que for mais fácil e estiver por perto. Sou bastante preguiçoso e recorro à tecnologia se me for conveniente. 

Rege-se pela lei do menor esforço?
É verdade, sou um filisteu no que toca a fazer música. Uso os instrumentos como alguém usa um martelo para construir uma cerca.

Este ano, a editora Light in the Attic lançou Has God Seen My Shadow, uma compilação tripla de canções suas. De quem foi a ideia?
Da editora. Eles abordaram-me e escolheram a maior parte do material que está no disco. Eles fazem muitas antologias e reedições de discos clássicos; é o seu departamento. Eu só disse sim ou não! [Yay or nay]

Mas ouviu a compilação?
Na verdade não cheguei a ouvir tudo. (risos) Era muito comprida, tinha muitas canções! Ouvi o disco de inéditos, porque não ouvia a maioria dessas canções há muito tempo. E isso foi fixe. Mas a as músicas reeditadas não ouvi. Conheço-as todas. (risos)

Há alguma coisa que tenha ficado de fora e gostava que tivesse entrado no alinhamento?
A coletânea parece-me representativa de um certo tipo de canção que faço: aquelas mais calmas e melancólicas. Não pegaram tanto nas mais elétricas ou pesadas. Mas não era para ser um best of, mas sim uma antologia de canções. Ficou uma coleção fixe.

“No início dos anos 90 conheci um gajo que ficou praticamente em lágrimas por perceber que eu não me queria suicidar”

Mark Lanegan

A revista Uncut escreveu que o seu disco Whiskey For The Holy Ghost (1994) o libertou da tirania do volume do rock’n’roll…
(Gargalhada) Até é verdade! Estive nos Screaming Trees muitos anos, onde fazíamos música muito pesada e barulhenta, dia após dia. Eu trabalhava num armazém, onde um amigo me gravou uma cassete com Nick Drake, Tim Buckley e Leonard Cohen, tudo coisas que eu nunca tinha ouvido. Nesta altura já tinha feito uns quatro ou cinco discos com os Trees e de repente sou exposto a outro tipo de música e começo a fazer [discos a solo] com essas influências. Foi uma reação à música ruidosa a que me tinha andado a sujeitar.

Esses artistas também podem ser pesados, dentro da calmaria…
É verdade. Mas na mesma altura também vi os Galaxie 500 naquela que penso ter sido a sua última digressão norte-americana. Eu tinha acabado de dar um concerto em São Francisco, onde os Screaming Trees tinham tocado com a banda do Henry Rollins – a combinação de bandas mais pesada e «macho» possível. E depois atravessei a cidade e vi os Galaxie 500 a tocar uns quantos encores, perante um público deliciado, com canções calmas e delicadas, e pensei: uau, não tenho de me matar para fazer a música de que gosto! Foi a mistura de ouvir aquela cassete e ver os Galaxie 500 ao vivo que cimentou a minha vontade de fazer discos mais calmos.

É verdade que tem em Nick Cave uma grande inspiração?
Sem dúvida. Não sei onde é que ele vai buscar a energia, mas é um performer incrível e, mais do que isso, um escritor de canções inacreditável – para mim, o maior da nossa geração. É alguém que admiro muito e em cujo trabalho aprecio tudo.

Quando gravou o disco de Gutter Twins, com o Greg Dulli, dos Afghan Whigs, garantiu que se divertiu muito a fazer algo que muitos consideram negro e deprimente…
Quando começámos a fazer esse disco, estávamos ambos a passar por um período bastante negro. Mas somos muito bons amigos e, mesmo que estejamos num mau momento, estamos sempre a rir-nos e divertir-nos. Enfim, no início dos anos 90 conheci um gajo que ficou praticamente em lágrimas por perceber que eu não me queria suicidar. Não posso controlar as perceções que as pessoas têm de mim: só faço música e sempre consegui retirar grande motivação, inspiração e conforto de música que outras pessoas podem considerar negra. A música que faço não a considero pesada nem leve, não a considero nada. Faço-a, ela vai à sua vida e aquilo que as pessoas fazem dela não me afeta de qualquer forma. Passa a ser delas, para o uso que lhe desejarem dar.